Rabisco (para mulheres)

É assim que você se mantém? Sentada, inerte, passiva, imóvel, enquanto as pessoas vêem em você um rascunho disponível? Sem compromisso ou pesar se dedicam a rabiscá-la. Sem cerimônia, riscando um risco que te lesiona, te rasga… Essa permissão eu já dei inúmeras vezes, entregando minha pele sem cerimônia a quem jamais a mereceu. Sendo assim, não dava pra reclamar com ninguém. Eu chorava para mim mesma, em culpa, em arrependimento. É preciso, em algum momento, dar um basta a essa disponibilidade irrestrita, sem filtro. Cuidar do risco que se aproxima, do rabisco dos ensaios das pessoas, zelar pela sua pele. Se for para fazer-se de ensaios riscados, tome o lápis você mesma, rabisque-se e apague-se onde bem entender, mas não dê a outra pessoa o poder de desenhar ao acaso sobre você mesma.

Rabisco, Grace Donati, arte digital, 2023

Cristaizinhos

Se a gente olhar a própria pele bem de perto, ao final do dia, com uma lupa, talvez, é possível encontrar minúsculos cristais de sal, repletos de substâncias, além de água. É o produto do que suamos, de um trabalho silencioso e competente do corpo para regular a temperatura corporal. Nunca entendi porque isso também não acontece com as nossas emoções e pensamentos. Um processo de expelir alguns deles pra gerar um novo equilíbrio, eliminar os excessos. Imagina só, junto com as 373 substâncias nas gotas de suor, teria ao menos cinco pensamentos desprezíveis, duas fantasias infrutíferas, uma ou outra emoção fantasma, que só servem pra tirar tudo do eixo. Daí, na intimidade de um banho refrescante, tudo se desprenderia da nossa pele, em forma de cristaizinhos ganhando a correnteza da água.