Marcílio

Agora ele vive na memória 
Não mais nas manias repetidas
Não mais no silêncio compartilhado
Não mais no chamado pela menina.

Agora ele descansa eterno
Não mais na cama ou no leito
Não mais em fuga ou com medo
Não mais pedindo sossego.

Agora ele está só por ele
Não mais pelos peixes ou pássaros 
Não mais pela lida e a esposa amada
Não mais pelos filhos ou qualquer outro laço.

Agora ele é aquela estrela que ilumina
A que no alto da noite mais brilha
Que vive em nós e por onde for
Que cuida, indica, ampara e vigia.

Em homenagem ao meu sogro, homem de caráter forte, honesto, generoso e benevolente que deixou esta existência no dia 23 de outubro.

Fumacinha

Morrer podia ser uma mudança lenta
Nada de drama ou de dor
Nada de lágrima.
O vento, ao tocar o corpo levaria dele
Um tanto do suor e do calor
Um fio, um cheiro, um brilho.
A cada sopro, menos do corpo um pouco
A capa passagem pela carne
Uma subtração de minúsculos pedaços de existência 
Uma viagem de cortes de si por aí
A derradeira desconstrução sutil e flutuante.
E assim, até virar fumacinha
Uma ex-pessoa
Seria eu mais feliz.

Encerrar-se

Morrer é um encerrar-se. Só não me parece justo que alguém finalize a obra por você. E é assim, pra mim, com cada vivente. Não me parece que alguém morra… assim como sendo sujeito do seu próprio fim. É antes um ponto final promulgado por outrem. Não são as pessoas que, antes de terminarem, decidam assim. Não me parece que nenhuma delas perceba, com grata elasticidade e tempo, e realidade, e clareza, que o final da história se aproxima. E que é hora de encerrar-se. Não me parece, tampouco, que morrer seja um bom final para qualquer um. Não me parece razoável que todas as histórias compartilhem o mesmo desfecho. Acho tão pouco inventiva esta mesmice repetida e ecoada por todos os cantos. Parece tão pouco estimulante conhecer o fim de antemão. Parece uma brincadeira de mal gosto… antes de começar já se conhece o final e antes que você esqueça do encerramento que viverá na própria carne, algum companheiro de cena acaba, termina, se esvanece no ar, se dilui. E a lembrança marcante, a determinação pungente da sua própria conclusão se instala quando caem os bravos, os fracos, os certos e os errados, os medíocres, os brilhantes e os amados. Pessoas terminam, você continua… e, desconhecendo a ordem dos fatos, a ordem dos finais, se engana em ilusão da criação autônoma da própria história até que o final conhecido se faça e te termine. Estou certa é da incerteza apavorante e dos abruptos finais. Nada mais há de seguro em todo o resto.

Para alguém de importância singular, que se encerrou em 17 de junho de 2013, a quem devotei especial amor. Saudades.