Espaços de encontros de alternativos sonhos…

Entre os dias 22 e 25 de agosto foi realizado o VII Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa ISAAC-Brasil. No período de organização, tive a grata satisfação de contribuir com algumas poesias para a apresentação artística que abriria o evento, na temática “Trilhando juntos a comunicação alternativa”. O evento, que ocorre bianualmente, se dedica a discutir práticas e pesquisas na área da comunicação suplementar e/ou alternativa, que busca garantir o acesso à participação e à comunicação a indivíduos desprovidos parcial ou totalmente da fala.

Na sessão de abertura do evento, fui presenteada com esta delicadeza musicada pelo Grupo de Ópera Canto Dell’Arte, de Natal, Rio Grande do Norte.

Consegui gravar um trecho, que divido aqui com vocês. Seguem, também, as poesias, cedidas à ISAAC-Brasil.

 

 

“Há um gesto que diz
Um sorriso que indica
Uma voz que aponta
Um olhar que revela
Uma imagem que brilha”

“Há trilhas conjuntas
De alternativas formas

Há traços no gesto
De imaginadas palavras

Há caminhos no verbo
De tangíveis jeitos

Há espaços de encontros
De alternativos sonhos.”

Sobre as perfeições de Ismael

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Dias atrás, iniciando uma viagem profissional a Brasília, conheci um rapaz com atitude e alegria extraordinárias – principalmente para aquela hora da manhã! Ismael me entregou um sorriso e um tanto de gentileza, oferecendo-se para colocar minha mala no compartimento de bagagem.
Após vinte e quatro cirurgias para correção de fissura de lábio e palato, Ismael – que se mostrava orgulhoso de sua capacidade comunicativa -, logo iniciou um diálogo comigo, que se estendeu por todo o vôo. Não fiz qualquer esforço para conversar com Ismael. Suas palavras fluíam claras e atendiam um raciocínio organizado e repleto de entusiasmo. Curiosamente, ao narrar detalhes de sua história de vida, ele parecia me mandar mensagens que eu realmente precisava ouvir.
Talvez tenha sido uma das últimas visitas de Ismael ao HRAC (ou “Centrinho” para os amigos de longa data), hospital de Bauru há muito reconhecido como referência no tratamento de anomalias crânio-faciais. Seus inúmeros ganhos terapêuticos, frutos de muito esforço, paciência e dedicação já lhe garantem trocar pensamentos e alegrias com grande habilidade. Logo, Ismael receberá alta fonoaudiológica. É, hoje, um competente falante de nossa língua. Além disso, é também cantor e compositor. Com seu violão, Ismael se dedica a distribuir mensagens de alegria nas salas de espera do hospital – deste e de outros em Brasília. Não consigo imaginar o que deve representar sua presença, assim simples e recoberta pela arte, para a esperança de quem ainda inicia a jornada da reabilitação.
As experiências de superação de Ismael podem ser exibidas como uma coleção: sua madrinha fez uma campanha para arrecadar dinheiro para sua primeira viagem a Bauru. Foi vítima de preconceito na escola inúmeras vezes, provavelmente bem mais do que tenha compartilhado. Mas, certa vez virou o jogo a seu favor. Oito meninos se organizaram para surrá-lo porque ele não falava seguindo os padrões normais. Ele olhou para os colegas e disse: “Pó maiá!”, convidando todos eles para seguir com a malhação que intentavam. Em vez de bater, os meninos se surpreenderam e começaram a rir. Ele ganhou ali um apelido e, talvez, um pouco mais de respeito. Como “Pómaiá”, passou a ser defendido pelo grupo. Para as terapias de voz, utilizava o horário de almoço e definia objetivos ambiciosos junto com sua fonoaudióloga. Dedicou-se com afinco para produzir corretamente o som do “s” porque sabia que era importante para sua chefe ser chamada de “Cidinha” e não Maria Aparecida. Muitas vezes, ele se sentiu menor, menos, incapaz. Ainda bem que ele pôde se convencer do contrário e fazer-se exemplo de luz para a vida de outras pessoas.
A certa altura de nossa conversa, Ismael disse assim: “Você tem a beleza da saúde, é perfeita. Eu precisaria conviver com você para descobrir algum defeito”. Para nós, que integramos o grupo de pessoas sem deficiência visível, é assim: conseguimos esconder nossas imperfeições e partes mutiladas, as ausências. Mas, acredite, Ismael, elas existem, e são inúmeras, ainda que sob o véu da minha capa sem fissuras.

NOTA: Ismael concedeu, gentilmente, autorização para a postagem deste texto. Em trocas de mensagens para tal autorização, ele solicitou que fosse registrada a importância do apoio constante de sua família, amigos e de sua esposa para todas as conquistas que narrou. É… Uma alma nobre este Ismael!!

Há mais comunicação do que a fala diz

Durante o percurso dos últimos quatro anos, em que estive mergulhada no desenvolvimento da minha tese de doutorado, voltar a escrever poesia foi algo tão inesperado, quanto óbvio. Escrita faz nascer mais escrita, um dia alguém falou. Em muitos momentos, a descrição de um artigo científico ou de um procedimento metodológico, no espaço entre as linhas e os capítulos, eu era impulsionada para interstícios emocionais, que me ajudavam na tradução das ideias embrenhadas em sentimentos. Neste post, quero compartilhar alguns destes momentos, modelados na perspectiva da pessoa que não fala ou que não pode se expressar plenamente por meio da fala e, que necessita, desta maneira, de apoios para se comunicar.

Imagem poemada – Interstício Um

“E se pudéssemos imprimir os sentidos e trocá-los entre nós…?”

Imagem poemada – Interstício Dois

“Seus olhos, todo seu brilho e cor, todo em busca da troca

Encontrará os meus no ponto em que um desejo se torna imagem.

Assim, daremos vida a uma voz secreta que espera ecoar dentro de você.”

Imagem poemada – Interstício Três

“Criativas as linhas que no encontro, em uma imagem, preenchem o espaço de conteúdo e simbolizam as vozes que vão dentro de mim. Imaginadas palavras que tracejam euforias, segredos, certos e avessos e me permitem existir”.

Imagem poemada – Interstício Quatro

“E então, lhe serão dados olhos para me ouvir”.

Há sempre um gesto que diz

Um sorriso que indica

Uma voz que aponta

Um olhar que revela

Uma imagem que brilha.