As palavras fugiram de mim
Só ficaram as que me foram dadas
As palavras desistiram enfim
Só aparecem as que me são caladas.
Mês: março 2016
Nega-me
Se me negas o abraço em teus braços
Se me negas o beijo em teus lábios
Se me negas no rosto o afago
Nega-me de você qualquer pedaço
Se me negas a delonga em teus olhos
Se me negas a carícia em tua pele
Se me negas o entrelaçar de tuas mãos
Afugenta-me com rigor e me fere
Se me negas a taça dividida
A madrugada de sono perdida
Se me negas a vida
Minha realidade invertida
Condena-me à tempestuosa e interminável lida
No abandono da fantasia construída
Ao desamor, à despedida.
Amar
Não há escolha ou desculpa ou remédio. Não há saída ou atalho ou solução que nos defenda de amar.
De Carlos Drummond de Andrade, Amar.
Que pode uma criatura senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer?
Amar e malamar
Amar, desamar e amar
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em rotação universal,
se não rodar também, e amar?
Amar o que o mar trás a praia,
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amor inóspito, o áspero
Um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este é o nosso destino:
amor sem conta, distribuído pelas coisas
pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor
Amar a nossa mesma falta de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito e a sede infinita.
Fonte http://www.vidaempoesia.com.br/carlosdrummond.htm
E para que os sentidos se rendam todos, “Amar” na intensidade de Marília Pera.
Se você me agredir, será a única vez
Há tempos tenho permitido que minha sensibilidade se expresse no limite do imponderável. Não aprendi a viver protegida de mim mesma, do que sinto, ou penso, do que ouço ou vejo, do que clamo ou almejo. Vivo assim à beira de tudo, na batida do pulso e no mergulho incessantemente profundo. Deste jeito, sou mulher, filha, amiga, aprendiz e mestre, poetisa e falha, errada, imperfeita, torta, incompleta, imprecisa, incerta. Deste jeito sou, no trabalho coadjuvante cotidiano de ajudar pessoas a se construírem na vida. Mas tal feito não é trabalho quando é missão. Não termina em oito horas se for paixão. Não acata limites porque não admite esforços em vão. Assim, em meio a esta intensidade perene, efusões de amor, alegria e satisfação são forças que arrebatam ao piscar dos olhos. Mas, às vezes, no descontrole da doação de minha vida àqueles que me buscam e que me exigem, ponho-me alvo de desmedidos ataques, desmerecidos e implacáveis. Hoje, foi um dia assim. A violência respingou em mim. Fui alvejada por quem não domina a própria arma. E doeu, como é de doer quando se oferece o peito ao tiro. Informo, no entanto, que embora não tema novas violências, se você me agredir, será a única vez.
Há mais comunicação do que a fala diz
Durante o percurso dos últimos quatro anos, em que estive mergulhada no desenvolvimento da minha tese de doutorado, voltar a escrever poesia foi algo tão inesperado, quanto óbvio. Escrita faz nascer mais escrita, um dia alguém falou. Em muitos momentos, a descrição de um artigo científico ou de um procedimento metodológico, no espaço entre as linhas e os capítulos, eu era impulsionada para interstícios emocionais, que me ajudavam na tradução das ideias embrenhadas em sentimentos. Neste post, quero compartilhar alguns destes momentos, modelados na perspectiva da pessoa que não fala ou que não pode se expressar plenamente por meio da fala e, que necessita, desta maneira, de apoios para se comunicar.
Imagem poemada – Interstício Um
“E se pudéssemos imprimir os sentidos e trocá-los entre nós…?”
Imagem poemada – Interstício Dois
“Seus olhos, todo seu brilho e cor, todo em busca da troca
Encontrará os meus no ponto em que um desejo se torna imagem.
Assim, daremos vida a uma voz secreta que espera ecoar dentro de você.”
Imagem poemada – Interstício Três
“Criativas as linhas que no encontro, em uma imagem, preenchem o espaço de conteúdo e simbolizam as vozes que vão dentro de mim. Imaginadas palavras que tracejam euforias, segredos, certos e avessos e me permitem existir”.
Imagem poemada – Interstício Quatro
“E então, lhe serão dados olhos para me ouvir”.
Há sempre um gesto que diz
Um sorriso que indica
Uma voz que aponta
Um olhar que revela
Uma imagem que brilha.