Shhhhhhhhh

Shhhhhhhhh
Eu não sei ao certo por qual motivo tenho acordado às quatro horas da manhã já há algum tempo. No princípio, pensei que fosse meu estado constantemente preocupado com os afazeres dos meus dias inchados. Cheguei a pensar que fosse uma ou outra dívida, dessas que a gente contrai consigo mesmo. Em uma das noites, a justificativa da falta de atividade física caiu muito bem, até porque a dor era generalizada em meus músculos. Em outras tantas, minha natureza ansiosa e inquieta querendo antecipar o dia… – bem coisa minha querer trazer o dia para a madrugada para ‘já’ resolver problemas que me aguardavam dormindo. Desisti de entender. Cada madrugada, um despertar, cada noite uma certeza de que meu sonho seria interrompido por alguma coisa obscura. Fato é que tenho estado acordada em todas as madrugadas. Daí ela vai me seduzindo com este silêncio, esta quietude que me preenche de paz e alívio. A oportunidade de ouvir o que eu digo sem voz. De fazer poesia sem pressa. De pensar sem que algo me impeça a conclusão, o apogeu. A chance de permanecer no estado das sensações, fazendo-o durar ao eterno. Tudo ganha um contorno de suavidade, de menor solidez, de fluidez. Daí, eu me lembro, com algum pesar, de lugares lindos que eu não conheci sob esta luz sutil e cálida, e que jamais conhecerei… assim, nesta aura. Nada de bibliotecas neste horário, ou parques floridos, nada de escavações no subsolo europeu, nada da vista das torres mais altas vendo cidade acordar. Sendo notívaga convicta agora, dá para entender porque o Louvre tem sido aberto à visitação noturna no verão parisiense – só quem já esteve por aqueles corredores barulhentos ao correr de manhãs e tardes saberá do que falo. Então, a situação é essa: resolvi minha carência de só estar (sem pensar, estudar, trabalhar, discutir, atender, ajudar, pintar, resolver…) dormindo menos. Eu sei… pode ser uma péssima saída. Mas, deste jeito meio bizarro e torto, eu tenho experimentado o divagar do silêncio pela minha casa e escutado os barulhos que eu nunca tinha tempo de escutar. Hoje, além de mergulhar nesta paz profunda, ainda escrevi – multitarefa que sou kkk. Mas é que… convenhamos, ser e escrever, no mundo que eu criei pra mim, são praticamente a mesma coisa.
Tem poesia aqui e ali
Há pássaros gorjeando, como existe vento ventando
Tem terra molhada
Tem sol inclemente
Tem fala sonada
E gota pendente.
Tem poesia pertinho e adiante
Há menino tristonho, como existe banho morno
Tem chuva gelada
Tem luz de repente
Tem paz aninhada
E abraço presente.
Foto de Grace Cristina Ferreira-Donati, Monte Verde – MG
Daí você vem
E porque vem
Minha fuga
Porque respira
Me ajuda
Porque me olha
Me cura.
Daí você é
E porque é
Minha pluma
Porque existe
Me cuida
Porque não desiste
Sou sua.
Numa tarde assim, a chuva bagunça a terra
Intimida os pensamentos de primavera
Encanteia, vagueia
A paz secreta.
Numa tarde dessa, um clamor goteja do céu
Alivia a penúria, o fel
Pacienta, isenta
A culpa fiel.
Numa tarde assim, o cinza emoldura a canção
Eterniza os sentimentos de vastidão
Alimenta, clareia
Miúda imensidão.
É chegada a hora da calma
De chamar mais alma
De viver em valsa
É preciso o tempo na fala
No vagar sem mala
No tardar que para
É fagueira a paz que laça
Que arrebanha a massa
Que liberta a graça
É faceira a chuva em salva
Da nuvem que pausa
Da luz em falta
É chegada a hora da calma
De vagar sem mala
No tardar que pausa.
A breve reflexão é de julho de 2015 e teve por inspiração o filme sueco-dinamarquês Haevnen, de Susanne Bier. Hoje, porém, no Dia da Confraternização Universal ou Dia Mundial da Paz, ganhou maior sentido.
Vejo algumas pessoas, embalando sua raiva, com meticuloso e preciso movimento como se criassem esferas com massa de modelar… E guardando-as. Outros a disseminam em doses homeopáticas de aspereza, e ostetam, mesmo silentes, generosa artilharia.
Vejo algumas outras pessoas vaporizando a própria raiva, transformando-na em éter, tentando a segurança da invisibilidade.
Algumas pessoas a embalam, outras a sufocam, outras a seguem e algumas poucas a transformam… De pulsão de dor a pulsão de amor. “Eu aceito, entrego, confio e agradeço”. E assim, uma cor é levada a ser outra. Um movimento flui para outro, vertendo-se em vida nova, em transformada vida.
O que você tem feito de suas raivas?