De vazio em vazio, sigo preenchendo o nada.
Mês: outubro 2019
Era você na rua
Era você na rua
Eu não tive dúvida
Não pelo que vi
Mas pelo alvoroço nos meus pensamentos
E o furor pondo batidas a mais no meu coração.
Não duvidei que você era o vento bagunçando cada fio de cabelo meu
E aquele raio de sol
E aquela gota de calor
E aquele perfume escapando da flor até mim.
Era você, eu sei
Que se fez de sorriso do menino
E me sorriu
E foi vida dentro da vida minha
Um segredo meu
Dançando pelos meus corredores vazios.
Leve, leve, leve
Bambuzá levim
Verdim que só
Uma maciez de verde
Que si imbalança mais levim que o ar
É uma dança que nem baruio faz
Mas é de ouví a música
Que a folha n’otra folha toca
E que o bambu n’otro bambu roça
É leve, leve, leve essa vida verde
E que leve, leve, leve todo o mal da gente.

Bambuzá, Nankim sobre papel, de Grace Donati.
Sobre Arte
A Arte é verdade e é falsidade, ou realidade e irrealidade. Esta ideia oferece-nos, per se, elementos sobre o caráter do que é a Arte, que, na verdade, se concebe na ficção.
GONÇALVES, Carla Alexandra. Para uma introdução à Psicologia da Arte: as formas e os sujeitos. Lisboa: Edições 70, 2018, p. 55.
E se as tristezas forem mais do que as levezas…?
Não há dia que se faça somente de choro, ou só de riso, só de dentes aparecendo à toa, sabe? Ou só de coração batendo apertado e respiração curta, miúda e seca… Não há dia construído só disso ou só daquilo. Cada dia tem em si muitos dias que talvez não sejam… e outros tantos que certamente serão. Um dia é uma entidade bipolar por natureza. Tem dia que é pura noite, dia que nem se sente a noite, dia que se encomprida e pula a noite até ser dia de novo. Há dias em que levezas, adornadas de muitas e sutis belezas, fazem sorrir em segredo a alma e dançar a música que cadencia nossa voz. Mas tem dias… outros dias, em que tristezas são mais que as levezas. Daí, é de se pegar o dia claro que poderia ser e fazê-lo livre, viver.
Como se ajuda um pássaro a voar
“Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro […]”
Antes de nascer o mundo, p. 52, de Mia Couto. São Paulo: Companhia das Letras, 2009

Inhotim – das lindezas de uma terra brasileira
Na semana passada eu estive, pela primeira vez, em Inhotim, o belíssimo Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico que fica em Brumadinho, Minas Gerais. Reconhecido como uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) pelo Governo de Minas Gerais e pelo Governo Federal, o local tem um acervo de arte contemporânea de excelência, constituído por obras que brilham sob o sol e a sombra do jardim e que também se organizam em modernas galerias espalhadas por 140 hectares. O que se vê é uma íntima interlocução entre Arte e Natureza que enche os olhos e desperta a alma para boas e profundas reflexões. A correria do dia-a-dia urbano revelou-se, quando submergia da minha memória recente, algo absolutamente desprovido de sentido. A grandeza de Inhotim me provocou rever meus vazios. Doeu. Mas me elevou.







Foco
“Qual desejo teu colocarás sob a luz?”

Foto de Grace Donati
Viver é muito, muito difícil
Há cerca de três meses eu fiz o download de um aplicativo que auxilia o registro de humor associado a diferentes atividades, sendo ambos os menus customizáveis, “humor” e “atividades”. Comecei a usá-lo porque vinha notando muitas oscilações de humor e quis fazer uma análise melhor a partir de registros mais detalhados, padronizados e frequentes. Bem, ocorre que aos poucos, fazer o tal do registro foi se tornando maçante, chato e altamente desmotivador porque o vazio da vida foi se escancarando com uma força brutal. Os gráficos iam mostrando oscilações ou então uma linha uniforme entre os dias que, pra dizer a verdade, não faziam nenhum sentido, de forma prática. Nem a oscilação me agradava, tampouco a linha uniforme, reta de dias típicos e normais. Daí, eu parei de registrar no aplicativo. Mas que doce ilusão a minha… eu continuei registrando minha vida do mesmo jeito e então, com muito mais consciência do que antes. E talvez essa seja a causa do meu estado desinquieto, desconfortável, esdrúxulo até. As oscilações entre euforia e forte desmotivação me exaurem, do mesmo jeito que a neutralidade… aquela linha reta e fluida me diz que a vida é besta mesmo… uma mesmice, um suceder de nadas e uma ausência de sentido. Tenho sentido que tudo cansa. As interações humanas cansam, ouvir o outro cansa, falar de mim cansa, ter que explicar porque alguém não entendeu cansa, ficar feliz cansa porque é fato que vai durar pouco e daí cansa ter que deixar de ficar feliz e ficar triste ou sei lá o que. Cansa ter que lidar com o que não dá certo, cansa a frustração. Cansa tanto falar e tanto explicar. Cansa ainda mais o desejo. Ah… como desejar cansa. O desejo é um senhor muito, muito rígido, de cara fechada, de cinta em punho e que escraviza minhas ações. Daí quando eu faço o que eu desejo, me desinquieto porque eu acho ridículo precisar disso pra ficar feliz… porque nunca sei o que me domina, a quem eu sirvo e isso cansa… até porque sei que vai durar pouco e cansa mudar de emoção de novo e de novo e de novo. Cansa ser terapeuta quando eu só quero ser gente mesmo, cansa o olhar do outro sobre mim, cansa as expectativas, cansa a saudade que eu tenho de gente que punha em paz. Cansa essa “vida besta, meu Deus”. Cansa, cansa muito ser quem eu sou, esse jeito cansado de ser.