Hoje eu guardei uma aquarela inacabada, fiz pilhas de caixas de dores abaixo e acima da mesa onde eu gosto de colorir, arranjei onde pude pedaços de lembranças tristes, tantas coisas em lugares inadequados, criando desordem e caos visual em minha casa. Arrumei tudo para ficar ainda tudo torto e errado, cheio de pó e veneno, invadindo a paz e o sagrado do meu morar. Os esqueletos e escuridões que atormentam minha serenidade cá dentro agora também se mostram fora no meu chão, nos resquícios trazidos pela carga daquele lugar onde eu abusei de mim mesma e me pus nua à ceia de pessoas tão vis. (Um dia eu luto pelo meu perdão). É uma confusão tão imensa esparramada em meio a lágrimas vertidas e uma desesperança, uma descrença de que possa haver qualquer devir, de um jeito que eu possa tocar, com substância e cheiro bom e luz.
tristeza
Frágil
E se eu me encaixotasse?
Com aquele símbolo de “frágil” por todos os lados, alertando para um manuseio cuidadoso…?
Eu seria poupada de tantos solavancos fazendo rachaduras em mim?
E se eu me prendesse num bordado floral repleto de cores, arrematando-me bem para não cair jamais?
Talvez me diluir em aquarela me resolva a dor de existir num mundo de tantas agressões.
Embora
Pra frente
Em frente
Caminhando devagar
E tanto
Pra sempre
Que se olha agora
Pra frente
E sem olhar pra trás
Com a luz em mente
Nem que se ressente
É pra sempre agora
E é pra frente que se anda
E se vai embora
E se apaga
O que se desenhou atrás
Olhos altos naquela luz da estrela
Pedindo intenso a proteção da Aurora
Mesmo que chora
Caminha os passos para frente agora
O que passou
Se esquece em outra hora
É pra sempre que se vai embora.
Marcílio
Agora ele vive na memória
Não mais nas manias repetidas
Não mais no silêncio compartilhado
Não mais no chamado pela menina.
Agora ele descansa eterno
Não mais na cama ou no leito
Não mais em fuga ou com medo
Não mais pedindo sossego.
Agora ele está só por ele
Não mais pelos peixes ou pássaros
Não mais pela lida e a esposa amada
Não mais pelos filhos ou qualquer outro laço.
Agora ele é aquela estrela que ilumina
A que no alto da noite mais brilha
Que vive em nós e por onde for
Que cuida, indica, ampara e vigia.
Em homenagem ao meu sogro, homem de caráter forte, honesto, generoso e benevolente que deixou esta existência no dia 23 de outubro.
Triste, triste, triste
Triste, triste, triste
É possível mais tristeza
Num dia finito?
Eu só queria andar
De mãos dadas pela vida
Sorrir
Abrir meu peito
E seguir
Me lançar na vida
Alegre
Celebrar a incerteza
E de mãos dadas
Seguir sem medo
Silence
Shhhhhhhhh

E se as tristezas forem mais do que as levezas…?
Não há dia que se faça somente de choro, ou só de riso, só de dentes aparecendo à toa, sabe? Ou só de coração batendo apertado e respiração curta, miúda e seca… Não há dia construído só disso ou só daquilo. Cada dia tem em si muitos dias que talvez não sejam… e outros tantos que certamente serão. Um dia é uma entidade bipolar por natureza. Tem dia que é pura noite, dia que nem se sente a noite, dia que se encomprida e pula a noite até ser dia de novo. Há dias em que levezas, adornadas de muitas e sutis belezas, fazem sorrir em segredo a alma e dançar a música que cadencia nossa voz. Mas tem dias… outros dias, em que tristezas são mais que as levezas. Daí, é de se pegar o dia claro que poderia ser e fazê-lo livre, viver.
Vazia de mim
Hoje, eu estou vazia de mim.
Não há sorriso que rasgue o rosto
Ou lágrima que brote a gosto.
Eu fugi sabe-se lá pra onde
Buscando sabe-se lá o que.
Nem sobrou certo ou oposto
É um gosto que é de pronto, sem gosto.
Vazia de mim
Eu só, assombro.
Solitude
Não há ninguém mais só
Que ela só.
Não há pessoa mais triste
E que mais insiste
Em ser além
De ser só.
Sentir em curtas XIII ou n.1 da série “Filhos da terra”
Pelas crianças órfãs, vítimas da ganância humana e que vivem em zonas de seca extrema.
“…só há vida ao longe, os olhos alcançam o céu distante. Há sequer em seu coração esperança pela chuva deste azul?”

“Filhos da terra”, Grace Ferreira-Donati. Aquarela sobre canson 300g, 20 cm x 29,5 cm.