Vazia de tempo
Sem vida
Sem nenhuma cor.
O tempo que nunca fica
Que eu nunca toco
Passa fugaz, num suspiro…
Eu vi chegando
E ele quase ficou.
O tempo veio e foi roubado
E eu fiquei no chão assistindo
Sem forças
Sem fôlego
Sem espaço
Sem esperança.

Vazia de tempo
Sem vida
Sem nenhuma cor.
O tempo que nunca fica
Que eu nunca toco
Passa fugaz, num suspiro…
Eu vi chegando
E ele quase ficou.
O tempo veio e foi roubado
E eu fiquei no chão assistindo
Sem forças
Sem fôlego
Sem espaço
Sem esperança.


Não esquecer de comprar o azul índigo e o roxo
De olhar os novos brotos
E de umedecer os olhos quando der.
Não esquecer de cerzir a roupa furada
E os rasgos no coração
O buraco roído na tela bordada.
Lembrar de trocar os momentos nos porta-retratos
Incluir os alentos a cada hora trabalhada
De esticar o corpo até desfazer a dor.
Comprar tudo para o bolo de maçã com canela
Sem motivo acender uma vela
Mais cuidado para as raízes da minha vida e o amor.
A vida toda de um jatobá para saber-se pólen.
Minha mãe minha tia minha avó
Minha sogra a vizinha minha irmã
A professora e a enfermeira, minha amiga
A Maria, eu mesma, a outra amiga
A cunhada e a menina a filha
A prima da tia da manicure
A estudante e a recepcionista
A médica e a secretária a faxineira
A bombeira a cobradora a vendedora
A babá da empresária a cozinheira
A presidente a atendente e a dentista
A pesquisadora a jornalista e a bebê
A terapeuta e a médica e a sambista
A antropologista
São pisoteadas e amassadas
Rasgadas e vilipendiadas
Invadidas manchadas
Massacradas torturadas
Esquecidas e abandonadas
Ludibriadas e espancadas
Diminuídas e ignoradas
E cada uma é celebrada
Quando pari menino
Que não se pari sozinho
E um dia vira algoz.

Os livros da nossa casa ficam em todos os cantos. Eles se derramam de pilhas que avançam até o teto, como mel caindo da colher. Alguns estão atrás da TV, aguardando serem buscados pela curiosidade nova que desiste da tela preta e carece de imagens guardadas nas palavras clássicas, antigas, referências. Na sala tem livros do que pretender o desejo… da regra listada no manual de empreendedorismo ao compêndio mais completo de Arte Sacra e Monet, Manet, Renoir. Caravaggio está na sala de jantar, onde não se janta. Neruda na mesa espelhada ao lado do sofá fica sobre a gestão do tempo, que ainda está ali porque esperamos que ela opere milagres em nós. Há livros vários se empilhando nas mesas de cabeceira, disputando o torpor do sono, o raciocínio dormente e fugidio da hora de dormir que já passou. Sempre. Todo dia. Tem anatomia, fisiologia, crimes e código penal, romance e declarações apaixonadas para flores, compêndios, manuais, mais códigos, a bíblia branca do comportamento, comunicação e o que a impede, Fernando Pessoa, Clarice, Drummond e Cony. Tem Kafka, Osho, Dostoiévski. Graciliano Ramos, Saramago e manuelismos. Todos em estantes, lado a lado, para a cerimônia do nosso reencontro, na biblioteca, onde se trabalha e se fala de quase tudo. Onde grandes ideias nascem e dores também. Onde também se cura. Os livros todos à espera de um movimento qualquer, uma consulta, ou saudade, de um livro lido ou da novidade da vez, talvez um Jabuti, um Nobel. Tem livro na cozinha, sob a minha segunda tela e misturados a tintas e pincéis e debruçado sobre meu maior estojo de aquarela no atelier que acolhe minhas indecisões e fluxo, influxo, os vazios. Tem livro sobre o piano e ao seu lado, com muitas notas que ainda não toquei porque espero um Molto Vivace na alma para me jogar ao teclado. Tem livro em gavetas e armários. Tem livro que eu escrevi. Dois. E tantos outros em que estou capturada em capítulos ou prefácio e posfácio. Temos livros lidos, relidos, alguns abandonados, livros comprados duas vezes por tamanho encantamento. Há livros que só nos aguardam. E outros que só existem. Acho que para por mais beleza na mobília, no cenário, na vida ou porque aguardam o ano sabático. Tem livro com príncipe que cuida de uma rosa, em português, espanhol e francês. Tem livro que só existe aqui. Tem livro escrito pela criança que mais amamos. E tem livro que nasce no meio de todos estes outros, indo e vindo em todo canto. Nos cantos de livros que constróem a nossa casa. Ainda bem.