Um pensamento.
Outro.
Mais três e outros quatro.
E mais alguns.
E tantos.
E aqueles também.
Mais cem.
Penso qualquer pensamento
E o que nem se é de pensar
Penso o que se é de fazer
E de ser só de passar
Tudo vira pensar
Nem só o que é lamento
E no que penso e peso
Vira pesamento
Tudo o que penso
De pequeno vira aumento
De um vira um cento
E daí tormento.
Poesia
Ninho
Brasil e os brasileiros, por Maria Auxiliadora da Silva
Senti lampejar meus olhos quando, naquela galeria, no Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira (MUNCAB), em Salvador, Bahia, encontrei as telas de Maria Auxiliadora. Eu não as estava procurando, foi uma gratíssima surpresa. A ingenuidade e o cotidiano desprovidos de excessiva medida técnica, e as cores vibrantes me atraíram rápido. Eu ventei até as telas. Que riqueza ver tudo acontecendo o tempo todo, e no mesmo, nada de extraordinário. O cotidiano é o extraordinário para Maria Auxiliadora, as fofocas nas janelas, o flerte, a dança dos casais, o trabalho na roça, as crianças no ir e vir, gente vivendo a vida que tem pra se viver. A artista era filha de artistas escravizados, nasceu em Minas e faleceu em São Paulo, antes de completar quarenta anos, em 1974. Bordava, costurava e pintava, traduzindo em Arte o que via em casa e na vizinhança com os instrumentos que fora ensinada a manejar por sua família. E que maravilha o que foi capaz de fazer. Deveríamos chamá-la poetisa, talvez cordelista visual, pelas narrativas tão vívidas que se encontram em suas obras. Sobre as telas, a gente nota a textura da renda e dos bordados, o volume dos cabelos das mulheres, quase que os minutos que antecederam aquelas histórias fotografadas ali. A gente fica querendo saber mais e daí corre pra outra tela. É um maravilhamento o trabalho poético de Maria Auxiliadora. Eu convido a todos a conhecê-lo! No link do Itaú Cultural, é possível conhecer mais sobre a história desta grande artista brasileira: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoas/2225-maria-auxiliadora



Sem título
De que vale a dor da tentativa?
A que acaso de alegria encerrou?
Vale amar, o mais, a poesia
Ou de nada serve a luz que clareou?
Será que vale o riso na euforia?
A rosa abrindo, ver que você chegou?
Sentir a paz que eu já tive um dia
Lutar a luta de ser quem eu sou?
Sentir em curtas XXXIII
Primeiro, a gente perde a paz
Depois, o sono
E todos os sonhos.
Nada torto meio sem terminar
Nada em mim se resolve
Nada vive certo e arrumado
Em mim tem uma caixa de cristal velha que foi derrubada
Minhas sutilezas andam a se esgueirar entre cacos
Tenho anestesias correndo pelas veias
E eu só quero de volta todas as minhas sensibilidades.
As sombras de aflições se contorcem sem se nomear
Eu não enxergo, não ouço, não toco
Não alcanço nada do que eu sou.
Eu voo só
Só vou.
Vive em mim o nada torto meio sem terminar.
Ou nem isso
Ou nem é essa que sou.
Mutilados
Voz do outro
E do outro
Do outro
Do outro
Silêncio meu
Grito meu
Sem boca
Olhar partido
De um lado
Do outro
Nenhuma escuta dada
Nenhuma fala trocada
Nem olhar pedido.

Ninho vazio
Um ninho vazio tanto foi deixado quanto está à espera.
É um entreato.


Calos
A gente tenta cuidar de quem tanto nos cuidou
A gente tenta suavizar a dureza dos dias da velhice
A gente tenta oferecer belezas e facilidades
E assiste tristemente a resistência dos calos formados na vida
Que não cedem
Que não aceitam
Que já não mudam mais.
Esperançar
Espere.
Espere ar.
Espere ansiando
Experimentar
Que a vida só tem ida
Se esperançar
E só se faz dia é no lidar
Num toar
À toa de respirar
Inspirando tudo o que se tem de ar
E vagar.
E lar.
Inspire amar.
Inspire mais para além do
Existenciar
Esperanceie todos eles
A se enamorar
Dos dias e das vidas
Do céu ao mar
De si mesmo
Da cria
Expirar.
Não tem dia certo para esperar.
É só viver hoje
A esperança de ontem.
Inspirar
E amar.
