Um pensamento.
Outro.
Mais três e outros quatro.
E mais alguns.
E tantos.
E aqueles também.
Mais cem.
Penso qualquer pensamento
E o que nem se é de pensar
Penso o que se é de fazer
E de ser só de passar
Tudo vira pensar
Nem só o que é lamento
E no que penso e peso
Vira pesamento
Tudo o que penso
De pequeno vira aumento
De um vira um cento
E daí tormento.
grace donati
Sem título
De que vale a dor da tentativa?
A que acaso de alegria encerrou?
Vale amar, o mais, a poesia
Ou de nada serve a luz que clareou?
Será que vale o riso na euforia?
A rosa abrindo, ver que você chegou?
Sentir a paz que eu já tive um dia
Lutar a luta de ser quem eu sou?
Sentir em curtas XXXIII
Primeiro, a gente perde a paz
Depois, o sono
E todos os sonhos.
Nada torto meio sem terminar
Nada em mim se resolve
Nada vive certo e arrumado
Em mim tem uma caixa de cristal velha que foi derrubada
Minhas sutilezas andam a se esgueirar entre cacos
Tenho anestesias correndo pelas veias
E eu só quero de volta todas as minhas sensibilidades.
As sombras de aflições se contorcem sem se nomear
Eu não enxergo, não ouço, não toco
Não alcanço nada do que eu sou.
Eu voo só
Só vou.
Vive em mim o nada torto meio sem terminar.
Ou nem isso
Ou nem é essa que sou.
Mutilados
Voz do outro
E do outro
Do outro
Do outro
Silêncio meu
Grito meu
Sem boca
Olhar partido
De um lado
Do outro
Nenhuma escuta dada
Nenhuma fala trocada
Nem olhar pedido.

Prato de bolo ótimo para bananas
Em junho, eu tentei fazer uma fruteira em cerâmica em forma de cúpula, montada com inúmeras peças circulares feitas em acordelado, como aquelas cobrinhas de massinha que fazíamos quando criança, enroladas em si mesmas. Ficaram parecendo aqueles biscoitinhos chamados “fatias húngaras”, uma delícia! Mas não deu certo. Muitas partes se soltaram já na hora de desgrudar a peça do molde, antes mesmo de ser levada ao forno pela Hanna. Desgrudei cada “biscoitinho” e outras peças e os coloquei num pote, guardados… para eu pensar num destino novo, para lhes dar vida em outro projeto, um lugar que funcionasse. Pintei cada um em duas tonalidades diferentes porque biscoitinhos nunca queimam por igual, certo? Eu estava firme no propósito do capricho, e segui. Em julho, decidi que eles enfeitariam uma fruteira nova, plana, ovalada, azul e assim se deu! Desde então, eles vivem sobre a mesa aqui de casa ao lado das frutas. Como eram muitas pecinhas, eu precisava pensar em outro uso, outra peça onde o restante dos biscoitos pudessem morar. Defini que seria um prato de bolo, o meu prato novo de bolo. Fui em frente: criei um prato redondo devidamente adornado no círculo mais externo com os biscoitinhos e fiz uma base para lhe dar altura, altivez. Colamos, eu e Hanna, o prato sobre a base e parei uns segundos olhando aquele projeto, orgulhosa do feito, do reuso dos bicoitinhos, do meu trabalho, e do novo caminho que eu tinha encontrado para eles. Saí do ateliê confiante e carregando outras peças prontas com aquela sensação orgulhosa da criadora carregando a criação. Quando eu retornei ao ateliê, esperançosa pela peça pronta, claro, me deparei com o prato torno, como se estivesse amolecido, derretendo. Os biscoitos intactos! Me sentei, vidrada no prato e passei a acariciá-lo, sorrindo. Acho que tanto para perceber melhor o que aquele formato era ou como se chegou nele como para refletir sobre um possível conserto. Também para acalentar e acolher… não sei bem o que. Eu, que sempre encontro um jeito de arrumar, ajustar, consertar qualquer coisa, olhava para o prato e absolutamente nada me vinha à mente. “Se não for um prato de bolo, o que pode ser?” O prato era um prato, não deixou de ser prato por ser um prato torto, com ondulações. O objeto constituído ali estava. Ele estava bem, sem preocupação por ser como era. Eu estava inquieta, lidando com as minhas expectativas frustadas, mas encantada ao mesmo tempo. Ser reto era o que eu queria para ele, mas não foi assim que ocorreu. Não demorou muito para eu dizer que eu ficaria com ele de qualquer forma, não o quebraria, não o dispensaria. Ao chegar em casa, eu o desembrulhei dos jornais e o coloquei sobre a mesa, sorrindo. Eu me sentei e fiquei ali, com o tempo parado, olhando para ele. Ao lado dele, um cacho de bananas na fruteira. Eu coloquei as bananas sobre ele e ficou perfeito!! Meu prato de bolo tem a curvatura perfeita para acomodar bananas, em sua forma curvilínea tão orgânica. Gargalhei, sem censura. “Certo, você quer ser um prato de bananas. Entendi”.
É um pouco do que manusear argila e transformá-la em cerâmica nos ensina: ela vive, sobrevive e se transforma inadvertidamente pelo que os estímulos da natureza definirem e não somente pelo seu desejo ou plano. Esperar um resultado específico, rigidamente, é ingênuo. Cerâmica tem sim muito de ciência, mas é pela arte que a gente se encontra. Por mais que eu a molde, é ela que me modifica.


Ninho vazio
Um ninho vazio tanto foi deixado quanto está à espera.
É um entreato.


Esperançar
Espere.
Espere ar.
Espere ansiando
Experimentar
Que a vida só tem ida
Se esperançar
E só se faz dia é no lidar
Num toar
À toa de respirar
Inspirando tudo o que se tem de ar
E vagar.
E lar.
Inspire amar.
Inspire mais para além do
Existenciar
Esperanceie todos eles
A se enamorar
Dos dias e das vidas
Do céu ao mar
De si mesmo
Da cria
Expirar.
Não tem dia certo para esperar.
É só viver hoje
A esperança de ontem.
Inspirar
E amar.
Wabi Sabi de luz
A luz superior, dos lustres pendurados nos tetos costuma me incomodar bastante. É como se houvesse uma tentativa de me amassar, me comprimir, me oprimir. Meus olhos fecham, eu me curvo, me encolho… não gosto. É neste motivo que mora o meu olhar sempre atento e interessado a abajures e luminárias. Eles têm minha preferência, me aquecem, me acolhem e estão em todo canto da minha casa. Então, há muitos anos, eu comprei uma luminária de chão, de estilo japonês, feita com madeira, papel de arroz ou algodão – eu não me lembro exatamente -, e com amarrações feitas com algum tipo de fibra. Eu havia entrado na loja para comprar barrinhas de cereais e de sementes, mas o que eu vi, assim que pus os pés no lugar foi a luminária, feita de papel artesanal, com uma translucidez acalentadora. Ela foi pra casa comigo aquele dia, junto com um coração feliz. Pelo que me lembro, já se passaram mais de 20 anos desde esse dia. Aos poucos, o papel foi se desgastando, e as quedas e esbarrões foram deixando suas marcas em pequenos rasgos. Sempre tentei protegê-la dessas situações, mas nunca tive muito sucesso. Há cerca de sete anos, ela passou por uma renovação grande. Com ajuda de um grande amigo, trocamos as tiras de papeis por outras e ajustamos cada encaixe. Assim, ela se mantém ao meu lado, no meu escritório, ainda, contudo, submetida à ação do tempo e aos maus tratos de quem passa por ela, como se ela fosse um objeto qualquer que atrapalha o caminho ou a limpeza do ambiente. Eu já pensei em proibir o acesso a qualquer um, acredite. De dois anos pra cá, ela ganhou marcas muito mais sérias de destruição, por minha grande incompetência em preservá-la, protegê-la. Cheguei a dizer ao meu marido: acho que vou precisar abrir mão dela. Na hora, ele disse: “não, amor, você pode consertá-la! Não precisamos desistir dela! Lembra? Wabi Sabi!”, evocando a filosofia japonesa que nos convida a aceitar as imperfeições, as vicissitudes da vida, a simplicidade, o que acontece… Venho, desde então, buscando encontrar a energia certa, o impulso, o momento para me encontrar com ela a sós, no silêncio, sem tempo contado. Isso tudo aconteceu hoje, em que estou completamente sem voz. Eu procurei o papel artesanal guardado, fiz medidas e recortes, colei as faces antigas separadas em pedaços novos, criando algumas novidades amparadas pelas minhas mãos cuidadosas, fazendo alguma pressão e acarinhando os cantos que resistiam a colar. Que imensa sensação de plenitude ter cuidado destes cortes… Quem sabe não me animo a fazer o mesmo com os meus?

Fios de vida
O tórax sobe e desce
Lento e ritmado
Eu descanso meus olhos
Nesse movimento
De vida
De resistência
Que se mantém sob a coberta quente
No ambiente hostil
Velo o sono
E minha esperança forte
Na força da guerreira
Pequena e abatida
Insistente
Sustento meu alerta
Na sua respiração
Silenciosa
Às vezes na tosse
Às vezes na inquietação
Há um fio de vida
Há vários fios de vida
São eles firmes
Fortes
E atentos
Irão movê-la da cama dura
Para flutuar nesse ar
Que nos oprime
Desde sempre.