Insônia


Eu caminho longa estrada e admiro o céu
Podo a planta
Reviso o artigo
Lanço o livro
Me levanto
Me alongo
Mudo os quadros de lugar
Envernizo o vaso
Termino o relatório
Faço uma oração
Me coço
Ligo a TV
Volto para o computador
Faço um chá
Atualizo meu currículo
Planejo um espetáculo
Melhoro uma exposição
Abraço uma amiga
Me viro
Arrumo a luminária
Doo o aparelho
Guardo a terra
Me alongo
Poso para a foto
Pinto outro vaso
Desmarco a aula
Leio aquele capítulo
Peço ajuda
Faço uma poesia
Ouço a mensagem
Procuro a artesã
Busco o remédio
Compro outro remédio
Me dobro
Pago a conta
Toco Yann
Me preocupo
Me entristeço
Recebo a encomenda
Vou à festa
Não vou à festa
Fico sem fome
Descanso
Rego a planta.

Tudo isso
Na cama.

Madrugada

Eu não sei ao certo por qual motivo tenho acordado às quatro horas da manhã já há algum tempo. No princípio, pensei que fosse meu estado constantemente preocupado com os afazeres dos meus dias inchados. Cheguei a pensar que fosse uma ou outra dívida, dessas que a gente contrai consigo mesmo. Em uma das noites, a justificativa da falta de atividade física caiu muito bem, até porque a dor era generalizada em meus músculos. Em outras tantas, minha natureza ansiosa e inquieta querendo antecipar o dia… – bem coisa minha querer trazer o dia para a madrugada para ‘já’ resolver problemas que me aguardavam dormindo. Desisti de entender. Cada madrugada, um despertar, cada noite uma certeza de que meu sonho seria interrompido por alguma coisa obscura. Fato é que tenho estado acordada em todas as madrugadas. Daí ela vai me seduzindo com este silêncio, esta quietude que me preenche de paz e alívio. A oportunidade de ouvir o que eu digo sem voz. De fazer poesia sem pressa. De pensar sem que algo me impeça a conclusão, o apogeu. A chance de permanecer no estado das sensações, fazendo-o durar ao eterno. Tudo ganha um contorno de suavidade, de menor solidez, de fluidez. Daí, eu me lembro, com algum pesar, de lugares lindos que eu não conheci sob esta luz sutil e cálida, e que jamais conhecerei… assim, nesta aura. Nada de bibliotecas neste horário, ou parques floridos, nada de escavações no subsolo europeu, nada da vista das torres mais altas vendo cidade acordar. Sendo notívaga convicta agora, dá para entender porque o Louvre tem sido aberto à visitação noturna no verão parisiense – só quem já esteve por aqueles corredores barulhentos ao correr de manhãs e tardes saberá do que falo. Então, a situação é essa: resolvi minha carência de só estar (sem pensar, estudar, trabalhar, discutir, atender, ajudar, pintar, resolver…) dormindo menos. Eu sei… pode ser uma péssima saída. Mas, deste jeito meio bizarro e torto, eu tenho experimentado o divagar do silêncio pela minha casa e escutado os barulhos que eu nunca tinha tempo de escutar. Hoje, além de mergulhar nesta paz profunda, ainda escrevi – multitarefa que sou kkk. Mas é que… convenhamos, ser e escrever, no mundo que eu criei pra mim, são praticamente a mesma coisa.