O tórax sobe e desce
Lento e ritmado
Eu descanso meus olhos
Nesse movimento
De vida
De resistência
Que se mantém sob a coberta quente
No ambiente hostil
Velo o sono
E minha esperança forte
Na força da guerreira
Pequena e abatida
Insistente
Sustento meu alerta
Na sua respiração
Silenciosa
Às vezes na tosse
Às vezes na inquietação
Há um fio de vida
Há vários fios de vida
São eles firmes
Fortes
E atentos
Irão movê-la da cama dura
Para flutuar nesse ar
Que nos oprime
Desde sempre.
poesia
Anatomia de um vaso, obra de Hanna Motta Costa
A artista Hanna Motta Costa, fundadora da marca MTCST (No IG: mtcst_), realizou esta semana a Exposição “Poesia Visual”, com obras em cerâmica e algumas reflexões poéticas entregues pelas próprias peças e em forma de textos. Vislumbrar cada unidade exposta, que contava um tanto do que é transitar da argila até um produto-símbolo, tangível, conceitual ou utilitário, me suscitou muito pensar – a começar pelas peças cunhadas pelo Wabi Sabi e culminando com a declaração de Hanna sobre sua obra preferida: o vaso que se quebrou ao abrir do forno, na revelação das suas entranhas… expondo o que batizou como “A anatomia de um vaso”. Com a quebradura, a luz invadiu onde era sombra, expôs cantos privados, íntimos da peça, que jamais seriam alcançados. Eu, que sou de sentir, para além de pensar, senti a poesia que compartilho aqui.
Quente
Depois fria
Vulnerável
Rachada
Aberta
Partida
Quebrada
Invadida
Manipulada
Questionada
Observada
Escrutinada
Mantida
Aceita
Respeitada
Admirada
Na inteireza
E nas entranhas
Nas partes conjugadas
Aglomeradas
Grudadas por uma ideia
Pela intenção da forma
Por uma cor
Pelo desejo criador.

Insônia
Eu caminho longa estrada e admiro o céu
Podo a planta
Reviso o artigo
Lanço o livro
Me levanto
Me alongo
Mudo os quadros de lugar
Envernizo o vaso
Termino o relatório
Faço uma oração
Me coço
Ligo a TV
Volto para o computador
Faço um chá
Atualizo meu currículo
Planejo um espetáculo
Melhoro uma exposição
Abraço uma amiga
Me viro
Arrumo a luminária
Doo o aparelho
Guardo a terra
Me alongo
Poso para a foto
Pinto outro vaso
Desmarco a aula
Leio aquele capítulo
Peço ajuda
Faço uma poesia
Ouço a mensagem
Procuro a artesã
Busco o remédio
Compro outro remédio
Me dobro
Pago a conta
Toco Yann
Me preocupo
Me entristeço
Recebo a encomenda
Vou à festa
Não vou à festa
Fico sem fome
Descanso
Rego a planta.
Tudo isso
Na cama.
Oco
Se pudesse, ela dobraria cada segmento do seu corpo para escondê-los no buraco aberto em seu peito.
Naquele oco sem fundo, interminável, que se fizera marca nova da vida que escolheu seguir.
Os pés tortos, os joelhos apertados, as pernas contra o vazio contorciam o desejo de menos dor.
Para domar sua alma chorosa
Sequiosa de paz
E calor.
Sentir em curtas XXXII
Eu vi a beleza descendo a corrente do rio.
E o rio escorrendo de mim.
Palavras emprestadas
… de Xavier Pereira.

Cor de pegar

Não esquecer
Não esquecer de comprar o azul índigo e o roxo
De olhar os novos brotos
E de umedecer os olhos quando der.
Não esquecer de cerzir a roupa furada
E os rasgos no coração
O buraco roído na tela bordada.
Lembrar de trocar os momentos nos porta-retratos
Incluir os alentos a cada hora trabalhada
De esticar o corpo até desfazer a dor.
Comprar tudo para o bolo de maçã com canela
Sem motivo acender uma vela
Mais cuidado para as raízes da minha vida e o amor.
Sentir em curtas XXX
A vida toda de um jatobá para saber-se pólen.
Celebrada
Minha mãe minha tia minha avó
Minha sogra a vizinha minha irmã
A professora e a enfermeira, minha amiga
A Maria, eu mesma, a outra amiga
A cunhada e a menina a filha
A prima da tia da manicure
A estudante e a recepcionista
A médica e a secretária a faxineira
A bombeira a cobradora a vendedora
A babá da empresária a cozinheira
A presidente a atendente e a dentista
A pesquisadora a jornalista e a bebê
A terapeuta e a médica e a sambista
A antropologista
São pisoteadas e amassadas
Rasgadas e vilipendiadas
Invadidas manchadas
Massacradas torturadas
Esquecidas e abandonadas
Ludibriadas e espancadas
Diminuídas e ignoradas
E cada uma é celebrada
Quando pari menino
Que não se pari sozinho
E um dia vira algoz.
