Prato de bolo ótimo para bananas

Em junho, eu tentei fazer uma fruteira em cerâmica em forma de cúpula, montada com inúmeras peças circulares feitas em acordelado, como aquelas cobrinhas de massinha que fazíamos quando criança, enroladas em si mesmas. Ficaram parecendo aqueles biscoitinhos chamados “fatias húngaras”, uma delícia! Mas não deu certo. Muitas partes se soltaram já na hora de desgrudar a peça do molde, antes mesmo de ser levada ao forno pela Hanna. Desgrudei cada “biscoitinho” e outras peças e os coloquei num pote, guardados… para eu pensar num destino novo, para lhes dar vida em outro projeto, um lugar que funcionasse. Pintei cada um em duas tonalidades diferentes porque biscoitinhos nunca queimam por igual, certo? Eu estava firme no propósito do capricho, e segui. Em julho, decidi que eles enfeitariam uma fruteira nova, plana, ovalada, azul e assim se deu! Desde então, eles vivem sobre a mesa aqui de casa ao lado das frutas. Como eram muitas pecinhas, eu precisava pensar em outro uso, outra peça onde o restante dos biscoitos pudessem morar. Defini que seria um prato de bolo, o meu prato novo de bolo. Fui em frente: criei um prato redondo devidamente adornado no círculo mais externo com os biscoitinhos e fiz uma base para lhe dar altura, altivez. Colamos, eu e Hanna, o prato sobre a base e parei uns segundos olhando aquele projeto, orgulhosa do feito, do reuso dos bicoitinhos, do meu trabalho, e do novo caminho que eu tinha encontrado para eles. Saí do ateliê confiante e carregando outras peças prontas com aquela sensação orgulhosa da criadora carregando a criação. Quando eu retornei ao ateliê, esperançosa pela peça pronta, claro, me deparei com o prato torno, como se estivesse amolecido, derretendo. Os biscoitos intactos! Me sentei, vidrada no prato e passei a acariciá-lo, sorrindo. Acho que tanto para perceber melhor o que aquele formato era ou como se chegou nele como para refletir sobre um possível conserto. Também para acalentar e acolher… não sei bem o que. Eu, que sempre encontro um jeito de arrumar, ajustar, consertar qualquer coisa, olhava para o prato e absolutamente nada me vinha à mente. “Se não for um prato de bolo, o que pode ser?” O prato era um prato, não deixou de ser prato por ser um prato torto, com ondulações. O objeto constituído ali estava. Ele estava bem, sem preocupação por ser como era. Eu estava inquieta, lidando com as minhas expectativas frustadas, mas encantada ao mesmo tempo. Ser reto era o que eu queria para ele, mas não foi assim que ocorreu. Não demorou muito para eu dizer que eu ficaria com ele de qualquer forma, não o quebraria, não o dispensaria. Ao chegar em casa, eu o desembrulhei dos jornais e o coloquei sobre a mesa, sorrindo. Eu me sentei e fiquei ali, com o tempo parado, olhando para ele. Ao lado dele, um cacho de bananas na fruteira. Eu coloquei as bananas sobre ele e ficou perfeito!! Meu prato de bolo tem a curvatura perfeita para acomodar bananas, em sua forma curvilínea tão orgânica. Gargalhei, sem censura. “Certo, você quer ser um prato de bananas. Entendi”. 

É um pouco do que manusear argila e transformá-la em cerâmica nos ensina: ela vive, sobrevive e se transforma inadvertidamente pelo que os estímulos da natureza definirem e não somente pelo seu desejo ou plano. Esperar um resultado específico, rigidamente, é ingênuo. Cerâmica tem sim muito de ciência, mas é pela arte que a gente se encontra. Por mais que eu a molde, é ela que me modifica.  

Peça em cerâmica feita com técnica de placa, adornada com peças menores no acordelado, sob base circular em cerâmica, de Grace Donati
Foto da peça em cerâmica acomodando um cacho de bananas.

Mariposas Monarcas

“Você reparou nas mariposas amarelas que voavam quando nós chegamos aqui no cenote?”, eu disse que sim, com olhar curioso e atento, entregue à história que viria com a docilidade e a firmeza do timbre espanhol autêntico. “Elas são as mariposas monarcas, são lindas, não são? Minha mãe as adorava! Há santuários de mariposas monarcas aqui, lugares em que elas vivem livres, juntas e formam um espetáculo incrível de se assistir. É algo indescritível, eu gostaria muito que você conhecesse… Minha mãe morreu há um ano e meio e infelizmente eu não consegui levá-la para admirar as mariposas uma última vez. E agora, quando eu as vi aqui foi uma feliz surpresa…”. Letícia, então, fez uma pausa, olhou para a estrada alongada e deserta à nossa frente enquanto ajeitava o corpo na poltrona do ônibus, virou-se novamente para mim e continuou. “Vim fazer essa excursão com a minha família, eu não tirava férias há 13 anos… e então acabo tendo um encontro com as mariposas monarcas! Hoje é um dia feliz.” Depois, ela foi revelando mais algumas informações, dizendo que as mariposas migram do Canadá no outono para passar o inverno no México, voando mais de quatro mil quilômetros. “Não é sempre que elas estão por aqui.” A história tranquilizou o ritmo de tudo naquela tarde quente, amainou minha febre e deu colo aos calafrios que eu estava sentindo, em meio a tantas outras sensações de insegurança, solidão, medo, vergonha… O que fez Letícia me eleger como interlocutora eu jamais vou saber. O que restou em mim foi perceber que eu só estava conversando com aquela mulher tão doce e somente conheci as mariposas monarcas porque assim como elas eu saí da rigidez do meu lugar e também cheguei ao México. Letícia e eu, nos decifrando mutuamente, refletíamos que para pessoas como nós é mais confortável ser árvore, mas fazemos grandes descobertas e nos inflamos de vida quando ousamos ser mariposas.

Mariposa Monarca, (licença creative commons)