Wabi Sabi de luz

A luz superior, dos lustres pendurados nos tetos costuma me incomodar bastante. É como se houvesse uma tentativa de me amassar, me comprimir, me oprimir. Meus olhos fecham, eu me curvo, me encolho… não gosto. É neste motivo que mora o meu olhar sempre atento e interessado a abajures e luminárias. Eles têm minha preferência, me aquecem, me acolhem e estão em todo canto da minha casa. Então, há muitos anos, eu comprei uma luminária de chão, de estilo japonês, feita com madeira, papel de arroz ou algodão – eu não me lembro exatamente -, e com amarrações feitas com algum tipo de fibra. Eu havia entrado na loja para comprar barrinhas de cereais e de sementes, mas o que eu vi, assim que pus os pés no lugar foi a luminária, feita de papel artesanal, com uma translucidez acalentadora. Ela foi pra casa comigo aquele dia, junto com um coração feliz. Pelo que me lembro, já se passaram mais de 20 anos desde esse dia. Aos poucos, o papel foi se desgastando, e as quedas e esbarrões foram deixando suas marcas em pequenos rasgos. Sempre tentei protegê-la dessas situações, mas nunca tive muito sucesso. Há cerca de sete anos, ela passou por uma renovação grande. Com ajuda de um grande amigo, trocamos as tiras de papeis por outras e ajustamos cada encaixe. Assim, ela se mantém ao meu lado, no meu escritório, ainda, contudo, submetida à ação do tempo e aos maus tratos de quem passa por ela, como se ela fosse um objeto qualquer que atrapalha o caminho ou a limpeza do ambiente. Eu já pensei em proibir o acesso a qualquer um, acredite. De dois anos pra cá, ela ganhou marcas muito mais sérias de destruição, por minha grande incompetência em preservá-la, protegê-la. Cheguei a dizer ao meu marido: acho que vou precisar abrir mão dela. Na hora, ele disse: “não, amor, você pode consertá-la! Não precisamos desistir dela! Lembra? Wabi Sabi!”, evocando a filosofia japonesa que nos convida a aceitar as imperfeições, as vicissitudes da vida, a simplicidade, o que acontece… Venho, desde então, buscando encontrar a energia certa, o impulso, o momento para me encontrar com ela a sós, no silêncio, sem tempo contado. Isso tudo aconteceu hoje, em que estou completamente sem voz. Eu procurei o papel artesanal guardado, fiz medidas e recortes, colei as faces antigas separadas em pedaços novos, criando algumas novidades amparadas pelas minhas mãos cuidadosas, fazendo alguma pressão e acarinhando os cantos que resistiam a colar. Que imensa sensação de plenitude ter cuidado destes cortes… Quem sabe não me animo a fazer o mesmo com os meus?

Luminária artesanal

Anatomia de um vaso, obra de Hanna Motta Costa

A artista Hanna Motta Costa, fundadora da marca MTCST (No IG: mtcst_), realizou esta semana a Exposição “Poesia Visual”, com obras em cerâmica e algumas reflexões poéticas entregues pelas próprias peças e em forma de textos. Vislumbrar cada unidade exposta, que contava um tanto do que é transitar da argila até um produto-símbolo, tangível, conceitual ou utilitário, me suscitou muito pensar – a começar pelas peças cunhadas pelo Wabi Sabi e culminando com a declaração de Hanna sobre sua obra preferida: o vaso que se quebrou ao abrir do forno, na revelação das suas entranhas… expondo o que batizou como “A anatomia de um vaso”. Com a quebradura, a luz invadiu onde era sombra, expôs cantos privados, íntimos da peça, que jamais seriam alcançados. Eu, que sou de sentir, para além de pensar, senti a poesia que compartilho aqui.

Quente
Depois fria
Vulnerável
Rachada
Aberta
Partida
Quebrada
Invadida
Manipulada
Questionada
Observada
Escrutinada
Mantida
Aceita
Respeitada
Admirada
Na inteireza
E nas entranhas
Nas partes conjugadas
Aglomeradas
Grudadas por uma ideia
Pela intenção da forma
Por uma cor
Pelo desejo criador. 
Anatomia de um vaso, MTCST, Bauru-SP