
Escultura de Jurga Martin
Eu poderia escrever uma poesia exultando a singeleza desta fase linda do ciclo da vida que é a infância, mas neste ano eu decidi falar sobre o que falta às nossas crianças e sobre tudo o que lhes roubamos.
O direito à alimentação saudável lhes é negado. As crianças pobres não têm o que comer. As demais recebem fast food, como prêmio pelas conquistas cotidianas.
O direito à educação de qualidade lhes é negado. As crianças pobres são mal incentivadas, apesar de heróicos professores. As demais recebem uma avalanche de conteúdos segmentados, fracos, em pacotes fechados, sem qualquer flexibilização ao seu modo de aprender. A parcela que se educa é também pelo esforço de heróicos professores e porque nossas crianças são incríveis mesmo.
O direito ao atendimento educacional especializado às crianças com deficiência lhes é negado. Mas para falar sobre isso, teríamos que discutir o conceito de “especializado”, coisa para mais de 500 palavras. Fica para outro dia.
O direito à opinião e expressão lhes é negado. Quando as crianças falam, elas pouco são ouvidas. Conversa em sala de aula é sempre sinal de bagunça. Raramente há espaço para o diálogo e o debate de ideias. Em síntese, as crianças que falam não são ouvidas. As crianças que não falam são ignoradas em suas necessidades mais básicas e nunca têm acesso a uma via alternativa de comunicação. O que eu assisto semanalmente é uma negligência desmedida ao direito da criança de se comunicar.
O direito à proteção lhes é negado. Nossas crianças são violentadas de muitas maneiras. Nossas meninas não são comemoradas quando nascem e após poucos anos são violadas pelos parentes mais próximos. Nossos meninos aprendem a conter o choro, apesar das feridas e da dor. Nossas crianças vivem na beira da estrada, têm criminosos como modelo e brincam com armas de fogo. Elas presenciam na própria casa o pior que exala de nós e são reprimidas a desenhar para que a casa permaneça como a foto da revista.
Não se trata do que o dinheiro dos pais pode comprar. Os maus tratos se esgueiram dissimulados pela capa do status elevado e se arreganham na periferia onde impera o “salve-se quem puder”.
A obrigação de zelar por esta e aquela criança é nossa. Temos todos a responsabilidade, o compromisso com a vida de cada criança brasileira. Furtamo-nos de lutar pela criança que passa ao nosso lado na rua, com roupas rasgadas e também pela criança cheirosa de família abastada que fecha os ouvidos ao que ela diz. Crianças são usadas e abusadas para satisfazer os desejos dos adultos. Não importa se o abuso é sexual ou não… ainda assim é estupro. Crianças fazem o que os adultos querem e os adultos se eximem de tomar decisões e guiar, com respeito à liberdade e aos seus direitos, a vida frágil que se inicia. Ignoramos cotidianamente as pequenas e as grandes violências.
O meu recado final é de que cuidar das nossas crianças é um dever meu, seu, do seu vizinho, da professora, do síndico, do médico, da moça que me vende cosmético, dos ministros, do presidente.
Cuidar não é reproduzir a ação da modinha do Face, ou o que a mídia, suja e mercantilista já nos disciplinou a fazer. Muito menos, deixar-se guiar pelo que a criança acha que é bom para ela, que não tem domínio de si nem dos perigos deste mundo cada vez mais insano.
Nós podemos fazer mais pelas nossas crianças, não importa o quanto incrível você ou eu nos julguemos.