De que vale a dor da tentativa?
A que acaso de alegria encerrou?
Vale amar, o mais, a poesia
Ou de nada serve a luz que clareou?
Será que vale o riso na euforia?
A rosa abrindo, ver que você chegou?
Sentir a paz que eu já tive um dia
Lutar a luta de ser quem eu sou?
depressão
Sentir em curtas XXXIII
Primeiro, a gente perde a paz
Depois, o sono
E todos os sonhos.
Nada torto meio sem terminar
Nada em mim se resolve
Nada vive certo e arrumado
Em mim tem uma caixa de cristal velha que foi derrubada
Minhas sutilezas andam a se esgueirar entre cacos
Tenho anestesias correndo pelas veias
E eu só quero de volta todas as minhas sensibilidades.
As sombras de aflições se contorcem sem se nomear
Eu não enxergo, não ouço, não toco
Não alcanço nada do que eu sou.
Eu voo só
Só vou.
Vive em mim o nada torto meio sem terminar.
Ou nem isso
Ou nem é essa que sou.
Cristaizinhos
Se a gente olhar a própria pele bem de perto, ao final do dia, com uma lupa, talvez, é possível encontrar minúsculos cristais de sal, repletos de substâncias, além de água. É o produto do que suamos, de um trabalho silencioso e competente do corpo para regular a temperatura corporal. Nunca entendi porque isso também não acontece com as nossas emoções e pensamentos. Um processo de expelir alguns deles pra gerar um novo equilíbrio, eliminar os excessos. Imagina só, junto com as 373 substâncias nas gotas de suor, teria ao menos cinco pensamentos desprezíveis, duas fantasias infrutíferas, uma ou outra emoção fantasma, que só servem pra tirar tudo do eixo. Daí, na intimidade de um banho refrescante, tudo se desprenderia da nossa pele, em forma de cristaizinhos ganhando a correnteza da água.
Fumacinha
Morrer podia ser uma mudança lenta Nada de drama ou de dor Nada de lágrima. O vento, ao tocar o corpo levaria dele Um tanto do suor e do calor Um fio, um cheiro, um brilho. A cada sopro, menos do corpo um pouco A capa passagem pela carne Uma subtração de minúsculos pedaços de existência Uma viagem de cortes de si por aí A derradeira desconstrução sutil e flutuante. E assim, até virar fumacinha Uma ex-pessoa Seria eu mais feliz.
Sentir em curtas XXIX
De vazio em vazio, sigo preenchendo o nada.
Viver é muito, muito difícil
Há cerca de três meses eu fiz o download de um aplicativo que auxilia o registro de humor associado a diferentes atividades, sendo ambos os menus customizáveis, “humor” e “atividades”. Comecei a usá-lo porque vinha notando muitas oscilações de humor e quis fazer uma análise melhor a partir de registros mais detalhados, padronizados e frequentes. Bem, ocorre que aos poucos, fazer o tal do registro foi se tornando maçante, chato e altamente desmotivador porque o vazio da vida foi se escancarando com uma força brutal. Os gráficos iam mostrando oscilações ou então uma linha uniforme entre os dias que, pra dizer a verdade, não faziam nenhum sentido, de forma prática. Nem a oscilação me agradava, tampouco a linha uniforme, reta de dias típicos e normais. Daí, eu parei de registrar no aplicativo. Mas que doce ilusão a minha… eu continuei registrando minha vida do mesmo jeito e então, com muito mais consciência do que antes. E talvez essa seja a causa do meu estado desinquieto, desconfortável, esdrúxulo até. As oscilações entre euforia e forte desmotivação me exaurem, do mesmo jeito que a neutralidade… aquela linha reta e fluida me diz que a vida é besta mesmo… uma mesmice, um suceder de nadas e uma ausência de sentido. Tenho sentido que tudo cansa. As interações humanas cansam, ouvir o outro cansa, falar de mim cansa, ter que explicar porque alguém não entendeu cansa, ficar feliz cansa porque é fato que vai durar pouco e daí cansa ter que deixar de ficar feliz e ficar triste ou sei lá o que. Cansa ter que lidar com o que não dá certo, cansa a frustração. Cansa tanto falar e tanto explicar. Cansa ainda mais o desejo. Ah… como desejar cansa. O desejo é um senhor muito, muito rígido, de cara fechada, de cinta em punho e que escraviza minhas ações. Daí quando eu faço o que eu desejo, me desinquieto porque eu acho ridículo precisar disso pra ficar feliz… porque nunca sei o que me domina, a quem eu sirvo e isso cansa… até porque sei que vai durar pouco e cansa mudar de emoção de novo e de novo e de novo. Cansa ser terapeuta quando eu só quero ser gente mesmo, cansa o olhar do outro sobre mim, cansa as expectativas, cansa a saudade que eu tenho de gente que punha em paz. Cansa essa “vida besta, meu Deus”. Cansa, cansa muito ser quem eu sou, esse jeito cansado de ser.
Solitude

Não há ninguém mais só
Que ela só.
Não há pessoa mais triste
E que mais insiste
Em ser além
De ser só.
Assim
Assim…
Que, enfim, aparecer o que eu disse
Que, de repente, se fizer como seu eu visse
Já tudo diluído estará
Já tudo lembrança pra mim
Já tarde será…
Assim que acontecer.
(02 de abril de 1998, Diário pessoal de Grace Cristina Ferreira-Donati)
Imagem: reprodução de escultura de Ana Maria Pacheco. Fonte: https://br.pinterest.com/source/prattcontemporaryart.co.uk