Foi numa corrida curta e ansiosa que o menino encontrou sua mãe à beira da piscina e disse, ainda ofegante: “Mãe, mãe, olha o que eu trouxe! Eu achei muitas pedras preciosas! Olha essa… aqui tem mais! Lá na praia, mãe, tem muitas pedras preciosas! E eu peguei esse monte aqui!”. A mãe acompanhava sorridente a apresentação do filho, com atenção, de pé, enquanto mexia numa coisa ou noutra. O pai, divertindo-se com toda a animação e doce ingenuidade da criança, deu corda à história: “Vamos ter que pagar excesso de bagagem pra levar toda essa pedra que você pegou!”. No segundo seguinte, antes que o menino pudesse ensaiar qualquer comentário, a sabedoria da mãe brilhou como o sol daquela manhã: “Mas como são pedras preciosas, vale a pena pagar”. Foi assim que eu vi o menino com o sorriso mais bonito daquele dia.
grace donati
Mundo nosso, nosso orgulho
O mundo não tem mais graça.
Não tem mais segredo
Não tem mais silêncio
Não tem mais respeito.
É só um entojado enjoado embolado
De canibais e vermes.
O que não é, é espaço vazio
Que flui pelas intermitências e foge de si mesmo
Com medo de se ver no resto
E de aumentar a massa que só fermenta e cresce.
O mundo já é completamente sem graça.
É aquela festa de gente bêbada tombada ao chão.
Desistente.
É o cheiro da mata queimada.
O crime anistiado.
A vida alheia tomada em comentário prosaico
Pra não se falar de si.
Da sua própria e íntima sujeira.
O mundo não tem nada de graça.
Tudo custa a alma pra quem tem
A escassez de quem não se tem.
Esse nada apático e inválido.
Custa o olho da cara.
Custa o tempo da poesia que eu não faço
E daquela música que me é honesta.
O mundo não tem graça nem é sério.
É o descaso curtindo a desgraça.
É a cada dia um despautério.

Embora
Pra frente
Em frente
Caminhando devagar
E tanto
Pra sempre
Que se olha agora
Pra frente
E sem olhar pra trás
Com a luz em mente
Nem que se ressente
É pra sempre agora
E é pra frente que se anda
E se vai embora
E se apaga
O que se desenhou atrás
Olhos altos naquela luz da estrela
Pedindo intenso a proteção da Aurora
Mesmo que chora
Caminha os passos para frente agora
O que passou
Se esquece em outra hora
É pra sempre que se vai embora.
Segredada
O que fizeste com tua voz fraca?
Segredada no peito
Selada e vermelha
Sem qualquer efeito...
Com que ânimo arrancou a palavra
Do perfeito esconderijo
E a pendurou enfeitando
A mudez?
A elegância de só ouvir
E nada falar
A identidade inviolável
Quieta e oprimida
De viver sem ar.

Sozinha
Viver sozinha
É algo que não se resolve.
Porque é sozinha que caminha uma mulher na saga de ser mulher na vida.
Numa fase ainda de alguma esperança por companhia e comunhão
Ela acredita que mãos dadas podem sanar a carência, dar presença e completude… parceria no caminho…
Mas não.
Um alguém perto é tão somente alguém perto
Que perdido em meio a carências próprias, perde-se sozinho também.
É preciso espalhar lá dentro um tanto de sementes novas
Para ver brotar o belo no cenário da solidão.
E ser feliz assim, encoberta e protegida por este pequeno mundo secreto de si mesma.
Com cores e luz
Com flores e cada camada de si mesma
Da menina, da jovem criando sina, da mulher arrependida e quebrada.
Estar só é condição de ser gente.
Sozinha desde, profundamente e para sempre
É o lugar de ser mulher nessa vida.
Cores de tocar
Se mesmo vendo, buscando reparar… não basta aos olhos a luz… ponha-se cor ao toque, com maciez e volume acariciando o coração.

Plantação
Para dias cinzentos, recomendo plantar cores.

Das flores que eu colhi
Há dias em que é preciso viver
Das flores que se colhe
Das cores que pingam
E fazem folhas no papel
Das flores que eu colhi
Foi mais sutil me ver brotar.

Botões sinápticos florescem

Em pedaços
São pedaços Espalhados Inteirezas que foram Cortadas Prazer picado Quase intocado E o grito Que não se houve Na boca velada.
