Fique bem
Sempre bem
O seu bem
É um bem muito importante
Para um tanto
De alguém.

Fique bem
Sempre bem
O seu bem
É um bem muito importante
Para um tanto
De alguém.

Eu sou o silêncio
A mansidão da não palavra
E da ausência
Poeira suspensa
Num ar intenso
De nada
Sem nada
Denso.

Uma vez mais, Alberto Caeiro ensinando-nos a estar presente, a apenas ser limitados que somos ao que somos no segundo em que somos. A ansiedade que nos coloca num futuro que nada é porque não existe ainda e talvez nunca se assuma presente é uma insensatez.
Não tenho pressa. Pressa de quê? Não têm pressa o sol e a lua: estão certos. Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas, Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra. Não; não tenho pressa. Se estendo o braço, chego exactamente onde o meu braço chega Nem um centímetro mais longe. Toco só onde toco, não onde penso. Só me posso sentar onde estou. E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras, Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra cousa, E somos vadios do nosso corpo. PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Isolation, Aquarela sobre Canson 140 g, com finalização digital, de Grace Donati

The Art of Not Panicking | Wired For Happy
wiredforhappy.com
A partir de Pinterest
Falta ar
Falta flor
O sorriso solto
Sobra dor
Falta a calma que eu nunca tive
Falta a alma sublime
A leveza sem medo
Falta espaço
Na minha garganta
Falta passo
No dia inteiro
Sobra aviso
E alarme
Falta árvore
Falta alívio
Ruído de riso amigo
Falta ar
No meu abrigo.
De Grace Donati em Natal sempre Natal, vol 3, organizado por Rosa Leda Accorsi Gabrielli, Bauru: Canal 6 Editora, 2015.
Ela esperou por aquela noite como quem aguarda socorro e refúgio. Aguardava por ela mesma. Pelo encontro memorável, adiado por toda vida, do desejo com a realização. Naquela noite, protegendo-se das cerimônias protocolares e vazias, deu-se a si mesma de presente. Iniciou seu ritual com o despertar do sol e se fez cumpridora do que lhe vinha ao coração. Arrumou e perfumou o quarto, se pôs em um vestido branco, longo e solto para sentir seus contornos livres e sua alma simples. Esvaziou a casa de guardados sem sentido e deu novas cores aos cantos que lhe refletem. Enternecida com a paz que sentia, abriu uma caixa de madeira e retirou os galhos, coletados desde o outono, das árvores que lhe encantaram e das que se impuseram nos caminhos. Desta coleção se fez sua árvore natalina. Pendurou em cada ramo uma bênção, escrita em pedaços de folha de algodão, e adornou os trechos de raízes com os valores que lhe fincaram os pés no chão e a cabeça nas nuvens. Criou, ela mesma, a trama de galhos, sombras e raízes que lhe parecia bem. O entremeado caótico que lhe fazia sentido. E que suspendia as memórias de tantos natais e de tantas árvores. As luzes piscantes, pontuais e fracas, na medida da doçura, finalizaram a obra com orgulho e genuíno estado de felicidade. A árvore, com galhos desnudos de folhas e repletos de palavras foi sendo modelada com cuidado, beleza e verdade. As interrupções para um olhar mais afastado, em ângulo surpreendente e novo, e dando espaço aos afazeres de uma casa vibrante, se esparramaram pelo dia. Com o anoitecer, reuniu frutas secas, um pote de açúcar com canela para adoçar bobagens e vinho, num cenário de luzes amarelas pálidas. Encerrou providências para alimentar corpo e alma, acendeu velas, e satisfez-se com os aromas agridoces que tomaram cantos insuspeitos da casa vestida para festa. Banhou-se e se fez repleta de calmaria e leveza. Nunca estivera em melhor companhia, na paz de se estar verdadeiramente consigo mesma. Nunca houvera melhor Natal. Talvez nenhum renascimento tão palpável e pungente. Então, gritinhos de gente nova, conselhos de gente antiga e amor da vida inteira adentraram a casa veraneada e construíram junto a ela, em comunhão, uma noite feliz.
A gente é de tribo.
Aqui é tudo índio
O desenho é na pedra
E é na dureza da pedra
E da terra
Que a gente vive
Aqui é tudo batida
De cajado no chão
Voz gritada
Pele suada
De dor calejada
Que a gente vive
Aqui é tudo luta.
A gente é da floresta
Ninguém desiste
Só luta e falece
A gente enterra faz festa
Faz prece e vive.
Aqui é tudo índio.

Para vendas de 28/11/2019 a 08 de dezembro até às 18h!! Livro: Retalhos de alma inteira, de Grace Donati, com reproduções de aquarela de André Marques.
“Retalhos de alma inteira é um livro de poesias e contos poéticos que trata de temas cotidianos e sentimentos essenciais do homem, com rebuscada sensibilidade. A maioria das produções é construída em verso livre, e, assim como o título sugere, expõe a alma da escritora, suas percepções e sensações, sem proteções, e exibindo elevado domínio de assonâncias, aliterações, rima e ritmo. As palavras costuram ora delicadezas, ora cruezas sobre o amor, as angústias, as flores, a solidão, o tempo, as repressões e a esperança. Ler “Retalhos de alma inteira” é tornar-se linha no cerzir de muitas reflexões poéticas do que se passa em cada um de nós.”
Informações:
Capa comum: 160 páginas
Editora: Scortecci Editora; Edição: 1ª (18 de agosto de 2017)
Idioma: Português
ISBN-10: 8536651601
ISBN-13: 978-8536651606
Dimensões do produto: 14 x 1 x 21 cm
