Espere.
Espere ar.
Espere ansiando
Experimentar
Que a vida só tem ida
Se esperançar
E só se faz dia é no lidar
Num toar
À toa de respirar
Inspirando tudo o que se tem de ar
E vagar.
E lar.
Inspire amar.
Inspire mais para além do
Existenciar
Esperanceie todos eles
A se enamorar
Dos dias e das vidas
Do céu ao mar
De si mesmo
Da cria
Expirar.
Não tem dia certo para esperar.
É só viver hoje
A esperança de ontem.
Inspirar
E amar.
vida
Wabi Sabi de luz
A luz superior, dos lustres pendurados nos tetos costuma me incomodar bastante. É como se houvesse uma tentativa de me amassar, me comprimir, me oprimir. Meus olhos fecham, eu me curvo, me encolho… não gosto. É neste motivo que mora o meu olhar sempre atento e interessado a abajures e luminárias. Eles têm minha preferência, me aquecem, me acolhem e estão em todo canto da minha casa. Então, há muitos anos, eu comprei uma luminária de chão, de estilo japonês, feita com madeira, papel de arroz ou algodão – eu não me lembro exatamente -, e com amarrações feitas com algum tipo de fibra. Eu havia entrado na loja para comprar barrinhas de cereais e de sementes, mas o que eu vi, assim que pus os pés no lugar foi a luminária, feita de papel artesanal, com uma translucidez acalentadora. Ela foi pra casa comigo aquele dia, junto com um coração feliz. Pelo que me lembro, já se passaram mais de 20 anos desde esse dia. Aos poucos, o papel foi se desgastando, e as quedas e esbarrões foram deixando suas marcas em pequenos rasgos. Sempre tentei protegê-la dessas situações, mas nunca tive muito sucesso. Há cerca de sete anos, ela passou por uma renovação grande. Com ajuda de um grande amigo, trocamos as tiras de papeis por outras e ajustamos cada encaixe. Assim, ela se mantém ao meu lado, no meu escritório, ainda, contudo, submetida à ação do tempo e aos maus tratos de quem passa por ela, como se ela fosse um objeto qualquer que atrapalha o caminho ou a limpeza do ambiente. Eu já pensei em proibir o acesso a qualquer um, acredite. De dois anos pra cá, ela ganhou marcas muito mais sérias de destruição, por minha grande incompetência em preservá-la, protegê-la. Cheguei a dizer ao meu marido: acho que vou precisar abrir mão dela. Na hora, ele disse: “não, amor, você pode consertá-la! Não precisamos desistir dela! Lembra? Wabi Sabi!”, evocando a filosofia japonesa que nos convida a aceitar as imperfeições, as vicissitudes da vida, a simplicidade, o que acontece… Venho, desde então, buscando encontrar a energia certa, o impulso, o momento para me encontrar com ela a sós, no silêncio, sem tempo contado. Isso tudo aconteceu hoje, em que estou completamente sem voz. Eu procurei o papel artesanal guardado, fiz medidas e recortes, colei as faces antigas separadas em pedaços novos, criando algumas novidades amparadas pelas minhas mãos cuidadosas, fazendo alguma pressão e acarinhando os cantos que resistiam a colar. Que imensa sensação de plenitude ter cuidado destes cortes… Quem sabe não me animo a fazer o mesmo com os meus?

Fios de vida
O tórax sobe e desce
Lento e ritmado
Eu descanso meus olhos
Nesse movimento
De vida
De resistência
Que se mantém sob a coberta quente
No ambiente hostil
Velo o sono
E minha esperança forte
Na força da guerreira
Pequena e abatida
Insistente
Sustento meu alerta
Na sua respiração
Silenciosa
Às vezes na tosse
Às vezes na inquietação
Há um fio de vida
Há vários fios de vida
São eles firmes
Fortes
E atentos
Irão movê-la da cama dura
Para flutuar nesse ar
Que nos oprime
Desde sempre.
Abusada
Qual nome dar à contingência em que baixamos a guarda irresponsavelmente, expondo-nos a agressões e vilipêndios, senão abuso? O abuso do outro autorizado por nós mesmas. Quase soando como um convite… Os outros, enforcados pelo egoísmo de ser quem são, não se alertam para a necessidade do trato gentil e afável. Angustiados em estarem tão poucos ou apequenados, nos encontram atirando-se sobre nós. Assim, somos aniquilados. Às vezes em doses divididas ao passar dos dias, outras vezes, de uma força só.
Desde a última semana fui invadida a partir de muitas frestas desguarnecidas e estou imersa na sensação de abuso, notando-me ao mesmo tempo, com profunda raiva de mim mesma por ter permitido. Eu consenti que determinassem como eu usaria o meu tempo, permiti-me estar com pessoas doentes e que me adoeceram intensa profundamente, me causando dor. Fiz coisas de um jeito torto, no improviso irresponsável, ouvi piadas sobre minhas fragilidades, fui enganada flagrantemente, fui beijada por uma pessoa vil, vi rasgarem minhas roupas por descuido e quebrarem lembranças por desmazelo.
Toda relação humana é potencialmente traumática. Pender a balança para a possibilidade do não-traumático depende de alta vigilância, um espírito alerta atento às ameaças, aos movimentos fortuitos. É preciso sensibilidade canina e presença para identificar quem quer lhe roubar tempo, afeto, dedicação, pedaços físicos… Fico com a impressão de que poetas não sabem se defender, cuidar do próprio espaço e de si e acho que eu estava poeta por estes dias aí. Talvez por toda a vida. Assisti passiva a todas as ofensas silenciosas e quase imperceptíveis que me atingiram e nada fiz. Eu sorri, eximi as pessoas de responsabilidade, toquei os dias e agora me encontro no chão de uma auto-piedade que é infrutífera, quase vergonhosa. Enraivecida, furiosa com minha programação infantil de aceitar tudo, todos, de qualquer jeito, a qualquer hora, o que vier, aquiescendo o que o outro deseja para si, entregando de mim qualquer coisa. Tenho ódio desse padrão que jamais irá se esvanecer, de não saber manter as portas e as janelas fechadas quando eu quero e de dizer basta, não, chega. Eu hoje me descubro mais uma vez como a minha própria e mais cruel abusadora. Os outros só fazem o que eu permito. E por isso, hoje, e talvez para sempre, essa raiva dormirá comigo.

A estrela mais brilhante
“Aquela estrela… é a luz mais brilhante nascendo. É pra lá que vamos.”

Bagunça e ordem
Não sei exatamente a partir de quando eu fui deixando de arrumar a minha cama de manhã cedo, de guardar as roupas trocadas antes do banho, de encaixar no lugar certo os objetos de todos os dias. Do mesmo jeito, tudo aqui dentro foi ficando desarrumado, com dobras e desencaixes, tudo amassado, caído, rasgado e torto. Não sei o que se desarranjou antes… se foi a cama ou se foi o peito. Não é muito fácil trilhar a vida com uma profusão de pensamentos bailando num caos, com emoções que nem se apercebem, um coração retalhado. Dá muito trabalho arrumar. É necessário esforço, disciplina, um bom tanto de “fazer mesmo sem querer” quando o que o desejo quer é colar o corpo no sofá, estirar a alma no chão e viver de anestesia. Tenho testado arrumar fora pra ver a organização aqui dentro e o contrário também. Tenho experimentado até tolerar o caos, aceitar que a vida é bagunça e brincar no meio dela, pegar as roupas amassadas e fazer fantasia… figurino pra sair dançando pelas luzes e sombras do dia. Vai ver é assim mesmo que a gente é, apesar de toda a rigidez e controle que possamos querer… bagunça e ordem, desordem que se arruma e se refaz. É ir e vir, é certo e errado… organiza e desarruma, a gente é e não é. E muda assim o tempo todo que se tem. É isso mesmo: a gente é e também não é.

Último dia
Hoje foi um dia morno, daqueles que nada acontece, sem graça… que talvez por isso mesmo tenha sido um dia bom, um dia com saúde e em paz, junto aos meus. Um dia ótimo se eu me lembrar do dia difícil que deve ter tido quem sofre tantas agruras e angústias, moléstia, violência ou um coração quebrado. Mas o que agita meus pensamentos neste fim de dia é como eu vou encará-lo quando eu tiver pra mim só um dia a mais. Nenhum a mais para desperdiçar com mesmices ou nada a fazer. A lembrança de hoje ou de outro dia parecido em vazio deverá pesar no meu peito um dia, mesmo que nas horas de agora ele tenha sido só um dia e nada demais.

E se as tristezas forem mais do que as levezas…?
Não há dia que se faça somente de choro, ou só de riso, só de dentes aparecendo à toa, sabe? Ou só de coração batendo apertado e respiração curta, miúda e seca… Não há dia construído só disso ou só daquilo. Cada dia tem em si muitos dias que talvez não sejam… e outros tantos que certamente serão. Um dia é uma entidade bipolar por natureza. Tem dia que é pura noite, dia que nem se sente a noite, dia que se encomprida e pula a noite até ser dia de novo. Há dias em que levezas, adornadas de muitas e sutis belezas, fazem sorrir em segredo a alma e dançar a música que cadencia nossa voz. Mas tem dias… outros dias, em que tristezas são mais que as levezas. Daí, é de se pegar o dia claro que poderia ser e fazê-lo livre, viver.
Viver é muito, muito difícil
Há cerca de três meses eu fiz o download de um aplicativo que auxilia o registro de humor associado a diferentes atividades, sendo ambos os menus customizáveis, “humor” e “atividades”. Comecei a usá-lo porque vinha notando muitas oscilações de humor e quis fazer uma análise melhor a partir de registros mais detalhados, padronizados e frequentes. Bem, ocorre que aos poucos, fazer o tal do registro foi se tornando maçante, chato e altamente desmotivador porque o vazio da vida foi se escancarando com uma força brutal. Os gráficos iam mostrando oscilações ou então uma linha uniforme entre os dias que, pra dizer a verdade, não faziam nenhum sentido, de forma prática. Nem a oscilação me agradava, tampouco a linha uniforme, reta de dias típicos e normais. Daí, eu parei de registrar no aplicativo. Mas que doce ilusão a minha… eu continuei registrando minha vida do mesmo jeito e então, com muito mais consciência do que antes. E talvez essa seja a causa do meu estado desinquieto, desconfortável, esdrúxulo até. As oscilações entre euforia e forte desmotivação me exaurem, do mesmo jeito que a neutralidade… aquela linha reta e fluida me diz que a vida é besta mesmo… uma mesmice, um suceder de nadas e uma ausência de sentido. Tenho sentido que tudo cansa. As interações humanas cansam, ouvir o outro cansa, falar de mim cansa, ter que explicar porque alguém não entendeu cansa, ficar feliz cansa porque é fato que vai durar pouco e daí cansa ter que deixar de ficar feliz e ficar triste ou sei lá o que. Cansa ter que lidar com o que não dá certo, cansa a frustração. Cansa tanto falar e tanto explicar. Cansa ainda mais o desejo. Ah… como desejar cansa. O desejo é um senhor muito, muito rígido, de cara fechada, de cinta em punho e que escraviza minhas ações. Daí quando eu faço o que eu desejo, me desinquieto porque eu acho ridículo precisar disso pra ficar feliz… porque nunca sei o que me domina, a quem eu sirvo e isso cansa… até porque sei que vai durar pouco e cansa mudar de emoção de novo e de novo e de novo. Cansa ser terapeuta quando eu só quero ser gente mesmo, cansa o olhar do outro sobre mim, cansa as expectativas, cansa a saudade que eu tenho de gente que punha em paz. Cansa essa “vida besta, meu Deus”. Cansa, cansa muito ser quem eu sou, esse jeito cansado de ser.
Voa
Ao meu amigo André Marques
Voa, pássaro, voa largo
Voa sem medo de voar
Voa sem pressa de chegar
Onde o pouso te espera e te recompensa
Voa, pássaro, toma o céu
Fisga-te da inércia das paragens
Emula-te pela generosa viagem
Que te compraz e te compadece
Voa, pássaro, voa largo
Voa sem medo de voar
Mergulha grande até fugidio, alcançar
Asa amiga, galho farto, azul de mar.
