Marcílio

Agora ele vive na memória 
Não mais nas manias repetidas
Não mais no silêncio compartilhado
Não mais no chamado pela menina.

Agora ele descansa eterno
Não mais na cama ou no leito
Não mais em fuga ou com medo
Não mais pedindo sossego.

Agora ele está só por ele
Não mais pelos peixes ou pássaros 
Não mais pela lida e a esposa amada
Não mais pelos filhos ou qualquer outro laço.

Agora ele é aquela estrela que ilumina
A que no alto da noite mais brilha
Que vive em nós e por onde for
Que cuida, indica, ampara e vigia.

Em homenagem ao meu sogro, homem de caráter forte, honesto, generoso e benevolente que deixou esta existência no dia 23 de outubro.

Aninha e suas pedras, de Cora Coralina

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Fumacinha

Morrer podia ser uma mudança lenta
Nada de drama ou de dor
Nada de lágrima.
O vento, ao tocar o corpo levaria dele
Um tanto do suor e do calor
Um fio, um cheiro, um brilho.
A cada sopro, menos do corpo um pouco
A capa passagem pela carne
Uma subtração de minúsculos pedaços de existência 
Uma viagem de cortes de si por aí
A derradeira desconstrução sutil e flutuante.
E assim, até virar fumacinha
Uma ex-pessoa
Seria eu mais feliz.