Cristais meus
Dores minhas que caem
Vida minha que sai
Busque em ti fado amargo
Cores tuas que traem
Flores nuas que falem
Vida minha que vai
Liberte de ti medo que te distrai
Peso louco se esvai
Riso pouco aceitai
Contemple na fé
Fontes bentas de mais
Pontes feitas de vais
Contas poucas de mas.
vida
Saudades minhas
Saudades de quando a felicidade roubava meu sono
De quando ela me tomava ao despertar
E ilustrava em meu rosto sua luz.
Ah, saudades de quando a vida era coisa fácil de se ter
De quando o dia se repetia na alegria simples de nascer.
De quando a mania de chorar era rara e boba, curta e fácil.
Saudades minhas as minhas dores agudas e duras
De ser de um jeito que já foi
De ser feliz como não dá
De ser aquela não fui.
Contrariedades
Há dores que não se mostram
Como há amores que não se afagam
Como há horrores que não se contam
E estertores que não calam.
Há corações que não se abalam
Como há proteções que não se bastam
Como há florações que não encantam
E intenções que não falam.
Há crises que não se deflagram
Como há reprises que não se confirmam
Como há lides que não se travam
E revides que não gritam.
A escolhida
Muitos universos no dia
Poucas ilusões de alegria
A magia
Minha cria
Sumia.
Muitos pedaços sem cor
Pouca poeira de amor
O temor
Meu sabor
Crescia.
Muitos pecados em vãos
Poucas verdades nas mãos
A razão
Meu vilão
Ardia.
Muitos pesares em fila
Poucas sementes de vida
A escolhida
Intranquila
Morria.
Vazio
Às vezes, sinto um vazio tão grande
Da grandeza de um gigante
Profundo, vasto, incerto, errante.
Às vezes, sinto este vazio no peito
Impiedoso, do coração faz leito
Bagunçado, errado, nó em contrafeito.
Às vezes, sinto no vazio o tempo
Ansioso, em oração refeito
Escasso, um rastro, tal ar rarefeito.
Às vezes, sinto um vazio pungente
Da agudeza da dor da gente
Intenso, denso, ausência inclemente.
Dia Mundial da Paz
A breve reflexão é de julho de 2015 e teve por inspiração o filme sueco-dinamarquês Haevnen, de Susanne Bier. Hoje, porém, no Dia da Confraternização Universal ou Dia Mundial da Paz, ganhou maior sentido.
O que fazem as pessoas de suas próprias raivas?
Vejo algumas pessoas, embalando sua raiva, com meticuloso e preciso movimento como se criassem esferas com massa de modelar… E guardando-as. Outros a disseminam em doses homeopáticas de aspereza, e ostetam, mesmo silentes, generosa artilharia.
Vejo algumas outras pessoas vaporizando a própria raiva, transformando-na em éter, tentando a segurança da invisibilidade.
Algumas pessoas a embalam, outras a sufocam, outras a seguem e algumas poucas a transformam… De pulsão de dor a pulsão de amor. “Eu aceito, entrego, confio e agradeço”. E assim, uma cor é levada a ser outra. Um movimento flui para outro, vertendo-se em vida nova, em transformada vida.
O que você tem feito de suas raivas?
Sede
Tenho uma sede de vida
Que me atira sem vagar ao dia
Me põe à beira de tudo
Me lança em mais poesia
Tenho vontade profunda
Daquela que desperta à noite
Palpita forte o coração
Vem sem fim, nem fonte
Tenho o desejo do mundo
Que me laça fugaz num mergulho
Faz folia na razão
Me arrasta num segundo
Tenho uma sede de vida
Que me atira sem vagar ao dia
Me põe à beira de tudo
Me lança em mais poesia.
Negativas
Não te aprisiones a ti mesmo
Espalha-te.
Não te atormentes ao ruído alheio
Aquieta-te.
Não te protejas do amor que recebes
Envolva-te.
Não te apresses no peito que acolhe
Repousa-te.
Não te condenes ao rigor servil
Alegra-te.
Não te abandones ao olhar vil
Proteja-te.
Não te dediques à língua que fere
Apazigua-te.
Não te julgues ao contorno que tolhe
Perdoa-te.
Não te negues o toque que envolve
Permita-te.
Não te alongues na dor da memória
Cura-te.
Não te esqueças na vida
Leva-te.
E se puderes te aceitar
Revela-te.
O tempo
De 20 de agosto de 2014
Um dia, serei amiga do meu tempo
Só farei coisas que o agradam
Cuidarei da sua vida com zelo
Como quem carrega o último copo d’água.
Um dia, viverei o tempo com a economia do cuidado
Com a delicadeza, a gentileza do compromisso
Exercitando o uso consciente do valor
Do que se estima tanto por ser inestimável.
Meu tempo, hoje, não se flete às minhas vontades
Não se dobra ou se contamina
Não me pertence. E, em seu rigor,
Manejado pelo vazio, me arrasta.
Homo pensants
Já estou cansado de mudar as minhas rotas de esquecer as minhas metas de esconder minhas derrotas de crescer por códigos beta e de forçar a entrada em alfa de desistir de pisar grama. Já estou farto de querer malhar sorrisos esquecer meu ex-abrigo e morrer de frio nas camas que não me sustentam mais. Estou cheio do vazio inconsistente da miséria insistente do meu luxo não vulgar. Quero cheirar lixo pra parecer gente. Tomar banho pra esquecer meu perfume que mente. Andar descalço pra sentir doer minhas bases pra fazer arder meus pés e ver gritar meus músculos pra sentir de volta a vida pra poder deixar as coisas que eu já tenho e que me enojam. Ir ao fundo para então submergir. Cair porque eu posso levantar. Tomar conta de perder porque eu preciso chorar pra sorrir. Me afundar em lama pra me sujar em água. Despencar no poço que não vai me abrigar. Perder para que eu sofra ao ganhar. Obter coisas fúteis que me fazem rastejar. Ganhar… o lixo que me escraviza e vender meu ar pra poder olhar meu eu… amar. O ridículo de mim quero ver ir embora pra matar de vergonha os ratos que me abraçam. Para que eu possa me sujar e então me sentir limpo. Pra poder viver.